No contexto desafiador do sistema penitenciário brasileiro, muito aquém de efetivar os objetivos da lei de execução penal (LEP) e frente aos riscos da pandemia de Convid-19, a experiência das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC’s) mantêm-se como num modelo de boa prática neste cenário de escassa referência positiva.
As APAC’s constituem unidades prisionais que adotam um método fundado co-responsabilidade dos detentos, chamados recuperandos nesse ambiente de execução penal, tendo em conta o foco na recuperação dos mesmos. Destinam-se a internos cujo perfil, característica, antecedentes alinham-se com os objetivos do modelo das APAC’s.
Nessas associações, desenvolve-se um efetivo compromisso com o resultado ligado à ressocialização ou reabilitação do condenado, com vistas à reinserção do mesmo no convívio social, inclusive com oferecimento de serviços de assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica. Serviços estes prestados pelas comunidades nas quais as APAC’s estão instaladas.
O método adotado nas APAC’s fundamenta-se no pressuposto a recuperabilidade do indivíduo, isto é, desde que haja tratamento apropriado, todo ser humano pode ser recuperável. Nesse sentido, operam-se 12 estratégias essenciais, adotadas coordenadamente:
- participação da comunidade;
- recuperando ajudando recuperando;
- trabalho;
- religião;
- assistência jurídica;
- assistência à saúde;
- valorização humana;
- a família;
- o voluntário e sua formação;
- Centro de Reintegração Social – CRS (O CRS possui três pavilhões destinados ao regime fechado, semi-aberto e aberto);
- mérito do recuperando;
- Jornada de Libertação com Cristo.
A adoção destas medidas, entre outras, convertem a APAC num protótipo de metodologia inovadora quando comparada com o sistema penitenciário convencional, pois alcançam efetivos resultados em termos de ressocialização de condenados, de reinserção na sociedade dos egressos do sistema prisional, de reduzidas taxas de reincidência, e de custo de três a quatro vezes menor do que as unidades prisionais comuns.
Outros elementos empregados na rotina das unidades de APAC são as práticas voltadas para trabalhar a autoestima e valorizar o recuperando, a fim de que o mesmo reaprenda a conviver em sociedade aberta, tais como:
- Os recuperandos são chamados pelo nome, valorizando a pessoa;
- Individualiza-se a pena;
- Participação efetiva da comunidade local através do voluntariado;
- Oferta dos três regimes penais: fechado, semiaberto e aberto com instalações independentes e adequadas às atividades desenvolvidas;
- Não há presença de policiais e agentes penitenciários, e as chaves do presídio ficam em poder dos próprios recuperandos;
- Ausência de armas;
- As atividades religiosas estão voltadas essencialmente para a recuperação dos apenados;
- A valorização humana é o fundamento da recuperação;
- Os recuperandos recebem assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela própria comunidade aonde estão as APAC’s;
- Os recuperandos frequentam cursos supletivos e profissionais, praticam trabalhos laborterápicos no regime fechado; no regime semiaberto, cuida-se da mão de obra especializada (oficinas profissionalizantes instaladas dentro dos Centros de Reintegração); no regime aberto, o trabalho tem o enfoque voltado à inserção social, pois, o recuperando trabalha fora dos muros do Centro de Reintegração prestando serviços à comunidade;
- Oferece-se assistência à família do recuperando e também à vítima ou familiares;
- Há um número menor de recuperandos convivendo juntos. Busca-se prevenir a formação de contingentes que contribuam para formar quadrilhas, subjugar os mais fracos, fomentar o tráfico de drogas, a indisciplina e a violência;
- A escolta dos recuperandos é realizada pelos voluntários da própria Apac.
A APAC é administrada por funcionários e voluntários, em virtude de não haver polícias que atuem nela. A concepção é a de que os próprios reeducandos sejam co-responsáveis pela mútua recuperação. Nessa perspectiva, organizam-se Conselhos de Sinceridade e de Solidariedade (CSS), um para cada regime, e por coordenadores de cela. Estes Conselhos cuidam da administração, limpeza, manutenção, disciplina e segurança. Problemas internos de disciplina são resolvidos pelos próprios reeducandos, pelos CSS e pela direção da unidade.
O modelo de APAC surgiu no Brasil, em São Paulo, mas precisamente na cidade de São José dos Campos, em 1972, tendo sido idealizado pelo jornalista e advogado Mário Ottoboni e um grupo de cristãos. Estima-se em 15% a reincidência entre os egressos de unidades que adotam o modelo APAC e em cerca de 70% a reincidência entre as demais unidades prisionais, componentes do sistema prisional convencional.
Outros países, como Estados Unidos, Nova Zelândia e Noruega, que adotaram o modelo das APAC’s, têm alcançado promissores resultados em ternos de redução da reincidência, além da humanização da execução penal nas prisões. Alemanha, Argentina, Bolívia, Bulgária, Chile, Cingapura, Costa Rica, El Salvador, Eslováquia, Inglaterra e País de Gales, Latvia, México, Moldovia aderiram também ao modelo. O método Apaqueano foi reconhecido pelo Prison Fellowship International (PFI), organização não-governamental que atua enquanto órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) em assuntos penitenciários, como uma efetiva experiência capar de humanizar a execução penal e o tratamento penitenciário.
Enfim, trata-se de priorizar a implementação de possibilidades já existentes na busca de efetivas alternativas para fazer das prisões e da execução penal experiências viáveis, no sentido de oportunizar a punição com ressocialização ou resignificação do preso, a fim de reinserir o mesmo no convívio aberto, numa perspectiva da liberdade e de segurança.
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