Atentar contra a transparência, sonegando informações em tempos de pandemia, investindo em redes virtuais de disseminação de fake news, desinformaçoes e fraudes informacionais, fomentando a polarização ideológica que remonta à guerra fria, montando esquemas de saída do país para fugir a responsabilidades e esconder pessoas relevantes para esclarecer investigações, é um modus operandi prejudicial à segurança pública.
Embora a Constituição Federal, em seu art. 5°, XXXIII, e a Lei de acesso a informações (Lei n° 12.527/2011) estabeleçam expressamente o compromisso com a transparência e fornecimento regular das informações ao público e ao cidadão, inclusive independentemente de solicitações, não é isso que se tem observado por parte do atual governo federal. Pelo contrário, há um rol de práticas obscuras e lesivas à transparência pública, bem como uma série de elementos que obstaculizam o acesso à informação:
– Em tempos pandêmicos, chegou-se a sonegar e mesmo a manipular informações relacionadas à explosão do número de casos de contágio e de mortes pela Covid-19;
– O cerceamento a questões e as agressões a jornalistas e a veículos de comunicação de massa;
– Falta de transparência quanto aos elevados gastos dos cartões corporativos e de esclarecimentos que justifiquem os mesmos;
– A saída do país do ex-ministro da educação, na calada da noite, em roteiro de fuga, antes mesmo de haver sido exonerado, e com várias pendências para com justiça brasileira;
– Uma pessoa relevante para esclarecer questões objeto de investigação criminal, embora não foragida, sendo mantida às escondidas num sítio de interior;
– O desaparelhamento do Coaf e as reiteradas tentativas de interferência nas investigações comandadas pela Polícia Federal;
– Investimento público em estruturas, agências de publicidade e redes de comunicação que difundem desinformações, fraudes informacionais, fake news e fomentam polarizações irracionais na sociedade brasileira, inclusive polarizações ideológicas delirantes que remontam a última guerra fria.
Essas e outras situações têm sido impostas cotidianamente ao país como coisas regulares e naturais, produzindo uma atmosfera social ainda mais conflituosa, sombria e um ambiente institucional obscurantista. Uma obsessão comum a esse obscurantismo perverso é tentar acobertar ou encobrir ilicitudes, forçar as pessoas a aceitarem ou a serem cúmplices dessas delinquências e coisas entrevadas, tais como as que estão caracterizando o atual governo federal e seus aliados. Algo que recicla continuamente o ódio, impedindo que nunca cesse esse tempo de turbulências ideológicas, institucionais e de obscurantismo político.
Como uma sociedade plural e socialmente diversa, como a brasileira, poderá defender-se de regimes obscurantistas, autoritários, sem transparência administrativa, reiteradamente apegados a esquemas de corrupção?
Uma sociedade de horizonte democrático somente se mantém segura quando combate o obscurantismo político, os abusos de poder, suas tentativas de permanecer impune e respeita os direitos fundamentais. Inadmissíveis são aquelas práticas que possam constranger, discriminar ou violentar pessoas por questões de crença, de origem, de cor de pele, de orientação sexual e outras. Condutas que configuram machismo, racismo, homofobia, misoginia e outros inúmeros tipos de neofascismos, fomentam o ódio ideológico contra pessoas, grupos, credos, classes e segmentos sociais.
Não há espaço para o regime democrático numa sociedade que sonega de informação, que cerceia o questionamento de jornalistas e da imprensa livre, que impõe a impunidade de poderosos, vive sem transparência e limita a liberdade de opinião, de reunião, de associação e de organização. Há cerca de trinta anos o país sofreu, de forma dolorosa, os efeitos de um regime de força, de tortura e de censura autoritária. Não há como ignorar tantas perversidades e impor tão somente a narrativa dos “heróis” oficiais sem comprometer o próprio discernimento e a racionalidade em prol de ditadores e criminosos.
A sociedade politicamente fechada é mentalmente adoecida. Tudo o que importa é a trágica irracionalidade da luta pelo poder. Não se pode questionar a qualidade de vida, da educação, da saúde, da segurança pública, da previdência social, da infraestrutura, da carga tributária etc. Não se consegue verificar claramente, muito menos fiscalizar, o emprego dos recursos públicos nem promover a distribuição de renda, aspectos sinalizadores da justiça social e da promoção da dignidade humana. Nesses regimes, a corrupção e o terror acontecem, mas ninguém pode falar nem se opor – é proibido.
No Brasil atual, há efetivos sinais da aterradora escalada autoritária, da intolerância e de múltiplas formas de uso do poder para intimidar as instituições democráticas e forçar a legitimação da impunidade de elementos ligados ao atual chefe do executivo federal e seus aliados. Algo inédito e sem paralelo desde a reabertura política mais recente do país. Sem dúvida, é preciso estar ainda mais atento e diligente para resguardar a liberdade, a segurança pública e a transparência na administração estatal, a fim de proteger as perspectivas de democracia no país.
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