O obscurantismo das disputas pelo poder e dinheiro (orçamentos públicos), única obra efetiva dos tempos de pós-verdade no Brasil, nos EUA e noutros países, é nocivamente impactante à segurança pública e às perspectivas de qualidade de vida em sociedade.
Os potenciais impactos são múltiplos e se impõem sombriamente sobre as classes médias e os mais vulneráveis socialmente. Eles importam fake news, estagnação cultural, restrições de oportunidades, limitações ao desenvolvimento organizacional, retrocesso informacional e científico, sonegação de informações, patrulhamento ideológico, contumazes tentativas de atentar contra a autonomia universitária e de órgãos de investigação, incentivo a aglomerações em tempos de pandemia, militarização da administração federal, mistificação do processo político… E outras formas de intervenção obscurantista e autoritária na vida social e institucional do país.
A viciada combinação entre dinheiro, poder, corrupção e fake news vem infectando o ambiente social e estatal de vários países, como Brasil e os EUA. A receita desse processo obscurantista, que leva ao definhamento da sociedade aberta e à imposição da pós-democracia autoritária, produz danosos impactos de ordem simbólica, econômica, política e cultural.
Na esfera simbólica, prioriza-se a desinformação, a fraude informacional e às manipulações de dados. Dificulta-se o acesso a dados e informações verídicas sobre as questões relevantes para a população. Investe-se no silenciamento de jornalistas, de artistas e do público que questiona a perversa lógica dos donos da verdade e do pensamento único.
No âmbito econômico, pratica-se um modelo que tenta naturalizar a necroeconomia, justificando a exclusão socioeconômica e o descarte quantitativo de vidas humanas. Tenta-se retomar antigos padrões de relações precarizadas de trabalho e de trabalho voluntário sem proteção à dignidade humana. Assenta-se na prática do financismo e suas jogatinas que espoliam sociedades inteiras. Fomenta a expansão de necrópoles e a naturalização do descarte dos despossuídos, pobres, vulneráveis e invisíveis sociais.
No aspecto político, o obscurantismo empenha-se em legitimar o autoritarismo e a esvaziar os direitos fundamentais, individuais e coletivos. Apoia-se na imposição de fake news, na sonegação de dados e informações, na perseguição à autonomia de instituições de combate à impunidade, à corrupção e de órgãos de controle de delitos praticados contra o meio ambiente, o sistema financeiro nacional e o sistema eleitoral. Investe na militarização da política e tenta-se cooptar as polícias para impor um Estado policialesco e militarizado. Fomenta uma esquizofrênica polarização da sociedade, alimentada por retrógrados antagonismos ideológicos da época da última guerra fria.
O obscurantismo falseia, bestializa e corrompe a política, reduzindo-a ao sórdido jogo de luta pelo poder. Até que lança as instituições no labirinto da necropolítica: não se importam com a vida coletiva nem com a produção de cadáveres em massa, a exemplo do que ocorre na pandemia de coronavírus. Não há espaço para priorizar a saúde e a segurança pública quando não há possibilidades de lucrar com a tragédia social mesmo quando se tiram dela dividendos eleitorais. Encarceramento em massa, armamentismo e assepsia social são as regras para lidar com as questões de violência e criminalidade. A necropolítica associa-se à necroeconomia no que se refere às questões laborais, de saneamento básico, de medicina coletiva, sanitárias, ambientais e outras na medida em que tudo só vale quando vira mercadoria.
Em relação à cultura, o obscurantismo reproduz uma concepção autoritária e etnocêntrica de valores culturais, cerceia a livre expressão, desestimula a produção cultural e científica. Investe no pensamento acrítico e anticientífico, vide o terraplanismo, antivacina, olavismo etc. Tenta impor limites à autonomia das universidades e instituições públicas de ensino, inclusive forjando leis para nomear interventores nas mesmas. Difundem superstições, preconceitos, fake news, fomentando a subcultura do ódio, da ideologia do inimigo, do armamentismo, do militarismo e das milícias. Não há o menor apreço à sustentabilidade informacional, à democracia e às suas instituições.
O obscurantismo é o fundamento das tendências autoritárias que tentam impor às sociedades atuais, como a brasileira, uma pós-democracia autoritária, excremento da pós-verdade, comprometida com as sombrias lógicas da necropolítica e da necroeconomia, cujos impactos inviabilizam as perspectivas de segurança pública, de liberdades civis, de direitos políticos e de qualidade de vida. Lastimavelmente, onde havia alguma luz, hoje há trevas.
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