A manipulação dos extremos, em toda parte do mundo e mais recentemente no Brasil, representa, sem dúvida, um grave fator de violência e de insegurança pública.
Os exemplos de extremismos são fartos na história humana e, quase sempre, deixam dolorosos rastros de terror em toda parte por onde passam. Alavancada pela cultura do ódio, da cobiça pelo poder e pela ideologia do inimigo, a manipulação dos extremos produz efeitos ruinosos que se arrastam no tempo e reeditam momentos de convulsão social e extermínios. Ondas de horrores aparentemente eventuais, mas que são frequentes, talvez até habituais.
Verifica-se, desde a antiguidade mais remota, que os fomentadores de extremismos deflagram confrontos violentos, intervenções armadas, regimes de força, intrigas sanguinárias, guerras e outras ciladas nefastas com o objetivo de se aproveitarem da situação caótica que armam para tirar proveitos políticos e econômicos, impondo vários processos opressivos, os quais incluem a perseguição ideológica, a tortura, a sabotagem de carreiras, o assassinato de reputações, a falência econômica, a xenofobia, a intolerância religiosa, a violência étnica, o genocídio, o escravismo. Civilizações inteiras foram aniquiladas por conta da manipulação dos extremos.
A opressão imposta pelo império romano, na antiguidade clássica, é uma das maiores expressões de domínio pela via da força, de guerras de conquista e da manipulação de extremismos praticada para sustentar o seu violento poderio.
No decorrer da Idade Média, a “caça às bruxas” também vitimou a muitos inocentes. A invasão de Jerusalém pelos muçulmanos provocou as cruzadas e estas também consequências extremas. Levantou-se reino contra reino por conta da obscurantista manipulação dos extremos.
No período de formação da Era moderna, a manipulação de extremismos produziu o genocídio de povos e culturas ameríndias no processo de colonização do novo mundo, lucrou com o tráfico negreiro e com funestas guerras coloniais.
Já na modernidade, a truculência social das revoluções industriais e da maioria das revoluções políticas, liberais e socialistas, gestadas no calor da manipulação dos extremos, da passionalidade ideológica, deixou um legado de sangue, injustiças, violências e de terror. Essa instrumentalização do extremismo logospirata conduziu, no século XX, ao nazifascismo, ao stalinismo, a outras formas de violência criminógena, de totalitarismo e de guerra fria.
Em tempos de pós-modernidade, a manipulação dos extremos culminou com os atentados de 11 de setembro de 2001, expandindo-se pela Europa e eventualmente pela Ásia. Mas a disseminação do ódio extremista, de violências simbólicas, ideológicas, políticas, raciais, étnicas, religiosas e outras teve grande impulso também com o advento da internet, das redes e mídias sociais. Essas eficientes e legítimas ferramentas de tecnologia da informação acabaram sendo mal empregadas por extremistas, por obscurantistas, por egocratas contra a democracia, instrumentalizando as fakenews como principal método para operar politicamente e tirar proveito das situações de caos em que submergem o cotidiano.
Portanto, períodos de confrontos sociais, violências, chacinas e privações de direitos, motivadas pela manipulação de extremismos políticos, religiosos e econômicos, são muito mais frequentes na história humana do se imagina. E agora com as redes e mídias sociais, via internet, isso parece estar tomando uma dimensão fomentadora do obscurantismo e do autoritarismo em toda parte, gerando mais insegurança pública do que antes.
Extremismo no Brasil
No Brasil, a situação não é muito diferente. Há grupos trabalhando para potencializar a manipulação dos extremos, via obscurantismo e fakenews nas redes sociais, com o fim de conduzir o país a uma situação que justifique a imposição de algum regime de força, uma ditadura ou algo do gênero.
Quase todos os dias, o país é surpreendido por situações, posturas e declarações do ocupante atual da presidência da República que geram instabilidades políticas, econômicas, sanitárias e institucionais. Manipula-se o que se disse ou fez nas redes sociais e potencializam-se as coisas, nas mídias e redes sociais, em favor do proveito político do atual mandatário da presidência. Chega-se ao ponto de se instigar e participar de atos públicos de protesto e manifestações de rua, que formam aglomerações num período de pandemia, contra instituições de controle encarregadas de zelar pelo regime democrático. Algo, sem dúvida, de inédito retrocesso na recente história política do país.
Trabalha-se explicitamente para reduzir a autonomia de órgãos de investigação financeira e criminal contra encastelados em mandatos, em entes estatais de diferentes esferas de poder e seus aliados. Busca-se intimidar o judiciário, o legislativo, a imprensa crítica, a opinião pública livre ao mesmo tempo em que se disseminam fakenews e ameaça-se o pluralismo político. O princípio, previsto no art. 4°, II/CF, da prevalência dos direitos humanos vem sendo desprestigiado e ridicularizado, assim como o da defesa do meio ambiente equilibrado, da economia livre e justa socialmente, da saúde pública e outras disposições estabelecidas pelo legislador constituinte no texto da Constituição.
Nesse cenário, também correm sérios riscos os valores fundamentais da sociedade aberta, que necessita conviver de forma livre, transparente, equilibrada, sem censura e nem abuso do monopólio da violência por parte do Estado. A tendência à passionalidade inviabiliza a razoabilidade, o diálogo lúcido e o consenso responsável. A democracia se forma a partir do pacto social responsável para com a ética do diálogo e do respeito aos direitos fundamentais inerentes à dignidade humana.
Enquanto isso, de outro lado, incentiva-se a polarização política e ideológica, as intervenções econômicas degradantes, o avanço irracional e violento sobre terras indígenas, sobre a floresta e áreas protegidas, suas águas e recursos naturais, como ilustra nitidamente a atual expansão do garimpo, do desmatamento, da pecuária, de atividades predatórias na Amazônia associadas ao desaparelhamento de órgãos da fiscalização ambiental e de proteção dos nativos na região. Ultimamente, tem-se denunciado o crescente aumento de assassinatos de lideranças indígenas e de povos da floresta na Amazônia legal brasileira.
O cotidiano institucional brasileiro padece gravemente com as atitudes de manipulação do extremismo no país, com a obscurantista depreciação da ciência, da cultura, da educação humanista, da proteção ao meio ambiente, e com a perigosa maneira como tudo isso vai sendo naturalizado rapidamente.
O regime democrático, mesmo que não se admita oficial e publicamente, vai sendo desidratado e enfraquecido com certas posturas, declarações e direcionamentos extremistas, que afetam a economia, a qualidade ambiental, a cidadania, por parte de quem deveria, antes de tudo, promover a própria democracia, a dignidade humana e os valores essenciais de uma sociedade de perspectiva democrática no Brasil.
O terror global dos extremos
Vários atentados de ódio, praticados por organizações terroristas, levaram diversos países a rever sua política de facilitar o acesso dos cidadãos comuns às armas de fogo, uma vez que a ausência de maior controle das mesmas tem favorecido aos criminosos extremistas.
A maioria dos brasileiros presume estar um tanto imune aos atentados de terror dos extremos, em grande medida, por não ter essa tradição e pelo país ser muito miscigenado, destino de muitas gentes e culturas que se misturaram. Por conta disso, muitos cobram que o Brasil facilite o acesso às mencionadas armas. Entretanto, não é isso que se verifica quando se estudam casos como da Escola em Realengo/RJ (2011), o de Marielle Franco/RJ (2018) e, mais recentemente, o da escola “Raul Brasil” (2019), em Suzano/SP. Atentados que revelaram o terror dos extremos sob outras faces da cultura do ódio e da ideologia do inimigo.
A tese de facilitar o acesso às armas de fogo como suposta medida para conter a violência e a insegurança pública não encontra fundamento algum em dados estatísticos sérios. A mesma apenas evidencia o quanto as pessoas e instituições não têm a menor ideia de como se socializam os indivíduos na realidade brasileira e latino-americana.
No Brasil, anualmente, ocorrem mais de 60 mil mortes violentas intencionais. Como o cidadão comum vai defender a si, aos outros, a sua família com uma arma frente a quadrilhas e organizações criminosas (orcrim’s) que dispõe de metralhadoras, fuzis e outras armas pesadas? Sem contar aquelas orcrim’s com tentáculos junto às instituições e aos que estão empoderados em cargos estatais, por vezes exercendo mandatos.
A tese do acesso facilitado às armas de fogo evidencia como é fácil, desonesta e perigosa a manipulação do assunto por pessoas, grupos e empresas sem escrúpulos, cujo propósito maior é tirar vantagem econômica com a venda de produtos bélicos.
Na realidade, o efeito do acesso facilitado a armas, numa sociedade latina, em que a grande maioria é classificada como socialmente vulnerável, sem assistência de saúde mental, sem razoável nível de formação nem socialização numa cultura de cidadania, pode ter o efeito inverso e agravar muito a situação da violência, da criminalidade e da insegurança pública.
A tese do acesso facilitado às armas de fogo, no contexto da realidade brasileira e latino-americana, é muito mais uma narrativa para oportunizar maiores lucros às indústrias armamentistas e a grupos que a promovem, com base na velha e inconsequente solução passional, do que para promover a segurança pública. Na verdade, a tese de facilitação do acesso às armas de fogo é de uma irresponsabilidade sistêmica sem paralelo, pois transfere para o cidadão, pessoa física, aspectos da responsabilidade do Estado para com a segurança pública. Além disso, torna mais difícil o trabalho policial e a ação de órgãos de controle. Com isso, acaba sendo, uma solução extremista com base num obscurantismo extremado que recorre à cultura do ódio, da cobiça e à ideologia do inimigo para poder prosperar.
Obscurantismo e passionalidade ao extremo
Desde há muito a manipulação do extremismo embaça o discernimento, vicia o pensamento lógico, compromete o diálogo, limita a liberdade e redunda em violência não apenas simbólica, mas também física em grande escala.
Observe-se, por exemplo, no que corriqueiramente resulta o fanatismo de torcedores de qualquer modalidade de esporte, a excessiva passionalidade nos relacionamentos, a disputa toxicamente acirrada entre grupos ou coletivos. O que dizer então de grupos organizados em torno de uma causa que convertem em dogma, seja profissional seja político seja cultural? Obviamente, esses grupos podem usar tanto a religião quanto a imprensa, as redes e mídias sociais, um partido, uma empresa e agentes econômicos para ofender, insultar, fomentar preconceitos, praticar discriminações e ainda pegar em armas para praticar atos de terror.
A título de ilustração, importa relembrar as últimas eleições gerais realizadas no Brasil (2018). Elas ocorreram num ambiente desfavorável a um mínimo de diálogo racional, ao lúcido convencimento e à formação de consensos responsáveis. Na realidade, não houve racionalidade nem diálogo entre os grupos que disputaram o pleito. Todos tinham tamanhas paixões, crenças e ofensas que os tornaram surdos não somente uns para com os outros, mas também cegos para com a análise da procedência e da história dos candidatos. Nas redes sociais e veículos de imprensa predominaram os obscurantismos das fakenews, os quais manipularam ao extremo a passionalidade dos eleitores, inclusive aproveitando-se exponencialmente de uma facada desferida contra um dos candidatos. Esse ato irracional talvez tenha definido as últimas eleições gerais no Brasil e reflete muito bem o estado de coisas daquele momento histórico guiado pela manipulação da irracionalidade coletiva.
Nesse cenário, restaram apenas opções extremas, as quais na prática não constituíram reais alternativas ao país. Apenas mais do mesmo, contudo, com maior irracionalidade, passionalidade e radicalização. Em síntese, acabou sendo outro certame eleitoral em que se perdeu a oportunidade de construir consensos mínimos em prol da edificação de um projeto de país. Deixou-se assim de pactuar compromissos essenciais aos diversos segmentos da sociedade brasileira, sobretudo na busca de perspectivas para superação de crises já vigentes e daquelas potencialmente visualizáveis, como a que se abate atualmente sobre o sistema de saúde pública do país com a pandemia, além da indiferença para congregar esforços de todos os setores com vistas às possibilidades de desenvolvimento econômico, cultural, político e social do Brasil.
A manipulação dos extremos tende sempre a por tudo a perder. Constitui efetivo risco à democracia, à cidadania, à garantia dos direitos fundamentais. O uso político do extremismo é letal na medida em que não hesita em recorrer ao obscurantismo, à exacerbação da passionalidade, à polarização, à violência e ao terror. Tenta justificar-se até mesmo em causas nobres para “legitimamente” destruir aquilo que alega defender: a vida, a liberdade, a dignidade humana. Exterminam-se povos, grupos e indivíduos em nome de Deus, da segurança pública, da economia, das disputas pelo poder, pelo controle de negócios, de cargos, da aquisição de patrimônio, de um celular, de reais… Por isso, adverte Milan Kundera: “Os extremos são a fronteira além da qual termina a vida…, é uma velada ânsia de morte”.
Enfim, a manipulação dos extremos, mesmo que somente na esfera simbólica (fakenews), têm grande potencial para fomentar violências, abusos, injustiças, autocratas, ditaduras, insegurança pública e terror de diversas ordens.
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