O normal já não faz parte de nosso cotidiano, mas a potencialização dessa anormalidade por causa de disputas políticas que ameaçam a democracia torna o contexto de pandemia e de crise na economia ainda mais inseguro.
Essa insana disputa, no âmbito estadual, tem levado grupos a tentarem golpear a democracia a partir pedidos oportunistas de impeachments do chefe do executivo estadual e de seu vice. Algo que não se sustenta nem tem fundamentos sólidos, mas que ancorado em irracionalidades e fakenews põe em risco a estabilidade da rotina institucional no pior cenário para isso, que é o de pandemia e da crise econômica com reflexos na arrecadação. Um contexto em que a prioridade deveria ser a de lidar com esses desafios e não a de tentar aproveitar-se da situação de exposição e desgaste do governante estadual para tentar derrubá-lo, depô-lo e substituí-lo, usurpando o cargo do mesmo como se fosse algo natural e legítimo. Falta muito de senso de dignidade, de inteligência e de decência a esses atores da cena política estadual que tentam forçar um impeachment a todo custo.
Em nível nacional, novamente, o atual chefe do Executivo federal faz manobras populistas irracionais para tentar intimidar as instituições democráticas no cumprimento de suas atribuições e justificar suas pretensões de poder absoluto e de impunidade própria, de sua prole e de seus aliados. Novamente a história se repete como tragédia, pois em meio à danosa pandemia, tenta-se impor um regime antidemocrático, fundado numa aliança miliciana-militar, com base ideológica em fakenews produzidas pelo gabinete do ódio. Um governo que representa sério perigo e ameaça à frágil democracia brasileira.
Em face desse quadro, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, é perfeitamente compreensível e justificável para defender a autonomia das investigações e da atuação da polícia federal, instituições essenciais para o regime democrático. Se estivéssemos vivendo dias de normalidade democrática, configuraria de fato uma interferência na competência de outro poder (como aconteceu no governo Dilma). Mas não é esse o caso. Pelo contrário, o próprio chefe do executivo representa o maior risco que já se evidenciou no pós-reabertura política à democracia no Brasil. Por conta disso, estamos diante de um período atípico.
Um período altamente perigoso às perspectivas de democracia no Brasil, no qual o atual ocupante da presidência desdenha com cinismo da grave doença, das mortes provocadas pela onda pandêmica, do direito à democracia. Um chefe de executivo que fomenta atos públicos, que patrocina protestos de rua contra as instituições democráticas, que provoca aglomerações em época de quarentena e isolamento social, que investe no populismo egocrata e ancora-se em fakenews para dominar a população. Um presidente que tenta reduzir a autonomia de instituições de investigação, não responde aos questionamentos da opinião pública que lhe são dirigidos, desdiz-se o tempo todo – não há coerência no que fala nem entre o que diz e faz, e sequer tem a dignidade de mostrar o resultado do exame que realizou para testar se é portador ou não da covid-19. E se realmente ele esteve ou estiver infectado? Como teve a vilania de abraçar, fazer selfies e cumprimentar as pessoas que participaram de atos públicos? Nada importa a esse elemento em nome de suas ambições de poder e de impunidade? É algo sui generis na história brasileira tamanha irresponsabilidade à frente de um poder que deveria estar comprometido com uma postura republicana e democrática.
Desde o primeiro semestre após a posse, restou comprovado que o atual chefe do Executivo federal é um indivíduo que pela atitude (o que faz, o que diz e como se comporta) não reúne as mínimas condições para exercer cargo público algum, muito menos o que atualmente ocupa. Lastimavelmente esse mandato lhe foi concedido pelo voto de eleitores, em sua maioria, desinformados sobre quem realmente se tratava. Ainda candidato, não participou dos debates de segundo turno, alegando questões médicas, muito embora tenha concedido entrevistas individuais. Desse modo, praticou estelionato eleitoral, instrumentalizando para isso o uso de fakenews em enorme escala, que suas equipes do ódio produziram e disseminaram nas redes sociais, explorando o sentimento de antipetismo de parte significativa da massa de eleitores.
De fato, é uma situação muito diferente de todas as anteriores, considerando a atitude dos demais presidentes que já exerceram o cargo até antes do atual. Situação muito distante daqueles que, no curso das disputas, respeitaram as regras constitucionais de funcionamento da democracia. E situação inteiramente oposta aos que empregavam os meios de comunicação de massa para informar as pessoas, cumprindo os princípios e as leis essenciais às perspectivas democráticas. Portanto, a democracia brasileira nunca esteve tão ameaçada, no período pós-constituição de 1988, quando no atual contexto.
Portanto, diante da periculosidade do atual governo federal ao regime democrático, é essencial que o STF atue, exerça o papel de guardião da CF e de defesa da democracia, assim como os veículos de imprensa e da sociedade civil organizada, evitando que o desgoverno sociopata, que se evidencia com clareza à frente da presidência da República e no Executivo federal, faça coisa ainda pior, fomente maior violência, insegurança e cause irreversíveis danos à sociedade brasileira, inviabilizando as perspectivas de orientação democrática.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.