A expansão da cultura do entorpecimento, a economia e a cultura das drogas é um fator indispensável para compreender os indicadores de violência e de criminalidade no tempo atual.
As drogas não se limitam ao aspecto químico. Yoko Ono teceu um lúcido comentário sobre o assunto: “Droga é o segundo copo de água quando o primeiro matou a sede.” De fato, tudo que excede o necessário acaba se convertendo em droga, em lixo, em luxo. O consumismo não deixa de ser um tipo de veneno. Seus efeitos impactam todo o planeta. Mas não só o consumismo e os entorpecentes químicos agridem o meio ambiente e oferecem riscos à qualidade de vida, lançando pessoas e coletividades num processo autofágico de insegurança pública.
Ao lado da droga química e econômica, há ainda a droga simbólica ou ideológica, a droga política, a droga eleitoral, a droga comportamental, a droga institucional. A droga química, em regra, é a última fase do processo que leva à drogadição e a economia do ilícito.
A cultura do entorpecimento impacta danosamente a coexistência na família, na comunidade, no ambiente de trabalho e de lazer, nas instituições, todas sofrem os efeitos das drogas e da dependência aos vícios sejam eles quais forem. A cultura e a economia das drogas impactam a segurança pública e a qualidade de vida com eventos de violência e de criminalidade. A cultura da dependência abre espaço para a economia do crime, para as ilicitudes nas esferas dos poderes políticos, para abusos e espoliações que violam a dignidade humana, sendo conivente com regimes de governo obscurantistas e autoritários. O entorpecimento desmerece as instituições de desenvolvimento humano, precariza o discernimento lúcido e impõe restrições e dificuldades ao livre pensar. A viciada rede de dependência corrompe tudo o que alcança, tanto na esfera pública quanto privada.
A cultura do entorpecimento vai aniquilando o discernimento crítico, impondo o obscurantismo e a exploração abusiva. Aos poucos, perde-se o domínio sobre si mesmo, escravizando-se no objeto do vício. Uma vez dependente, ao viciado pouco importa fazer parte da economia do crime: pratica-se a violência, o furto, o roubo, a prostituição, o tráfico, o latrocínio, o homicídio. Os traficantes e seus sócios empoderados lucram com a servidão física, econômica, cultural e política dos dependentes.
A economia do entorpecimento vai se alastrando e, com ela, a violência e o crime, movimentando uma robusta economia ilícita operada por organizações criminosas, cujo combate apenas pelo viés repressivo, o modelo da “guerra contra as drogas”, não tem surtido o efeito esperado. Tem-se ampliado o número de encarcerados e de mortos, além do imenso ônus à sociedade, já no limite com os gastos do modelo repressivo, contudo, os resultados do sistema de justiça criminal têm sido pífios. De outro lado, as ocorrências criminais e as estatísticas de violência e criminalidade só aumentam.
Sem combater os fatores do crime e da cultura das drogas não há como promover efetivamente segurança pública. É como buscar fins sem os devidos meios: uma coisa amadora, imaturo, feita sem o devido diagnóstico, abordagem e intervenção dos problemas, evidenciando grande despreparo da gestão. Por vezes é o que pretendem certos grupos políticos que insistem em tirar proveito e obter lucros das tragédias sociais e humanas. É a lógica inerente ao modelo de gestão logospirata da segurança pública no país.
É necessário combater não apenas os varejistas e pequenos distribuidores, mas também os grandes produtores e distribuidores de entorpecentes e substâncias ilícitas, efetivos empreendedores do tráfico ilícito que operam a megaeconomia do crime.
Por outro lado, passa do tempo de buscar alternativas mais eficazes de ocupação dos recrutáveis pela economia do ilícito. É preciso programas que os eduque, assista e prepare para viver sustentavelmente na sociedade de mercado e de consumo em que se inserem.
Um modelo interessante foi a bem sucedida campanha publicitária e ações institucionais contra o cigarro. É certo que levou vários anos, mas foram meios eficientes ao revelar a associação que há entre o consumo de cigarros e várias graves doenças, a baixa-autoestima e o prejuízo à imagem pessoal. Os resultados dessas ações de governo e campanhas contra o tabagismo e o cigarro foram significativamente favoráveis quanto à considerável redução do vício, ao enfraquecimento da economia do cigarro. Melhor: não foi necessário nenhum tiro ou mover uma guerra armada na sociedade, não foi preciso gastar com modelos repressivos que reproduzem a insegurança pública, a violência e o crime, retroalimentando o ciclo de gastos públicos que amparam modelos repressivos e encarceradores. Tais modelos criam a ilusão da necessidade de ampliar arsenais, polícias, cárceres e de “salvadores da pátria”.
A economia e a cultura das drogas fomentam não apenas a violência do cotidiano e das organizações criminosas, como também a violência sistêmica e naturalizada pela corrupção institucionalizada. Amplamente capilarizado no tecido social, o processo de viciamento humano em curso opera em diferentes redes lícitas e ilícitas. Tal processo, em grande medida, é responsável por degenerar instituições políticas e processos econômicos, disseminando práticas viciadas e corrompidas por todas as esferas sociais e oficiais.
A economia do entorpecimento humano causa gravíssimos danos a crianças, adolescentes e os jovens, vitimando-os anualmente aos milhões não apenas como viciados, mas também por meio de violentas disputas de território de drogas entre facções, no necessário combate ao crime de tráfico de drogas pelas forças policiais e na desfiguração humana de sistemas penitenciários. Os “empresários” do vício não se importam com as perdas humanas, familiares ou sociais. O único alvo é tão somente obter lucro ou vantagens a qualquer custo. A moral “dos fins justificam o meios” é a filosofia da economia do crime. Não é à-toa que o ilícito esteja tão presente nas instituições de medição política.
A violência e a cultura das drogas não teriam alcançado uma dimensão sistêmica se não operasse em seu favor dela a informação manipulada e reproduzida em diferentes redes de comunicação. O processo de entorpecimento humano decorre também de um processo induzido por pensamentos fomentados por informações contextuais, relacionais, publicitárias, formatada de acordo com os diferentes perfis socioculturais. A informação está no “DNA” da cultura das drogas e do entorpecimento humano, uma vez que o pensamento induzido serve de base à materialização do vício.
A vontade compulsiva de consumir, jogar, fumar, beber, corromper, enganar ou prejudicar, tirar proveito ou levar vantagem a todo custo, praticar abusos sexuais, violar regras básicas da convivência, falar mal dos outros, agir com violência, dar vazão ao fanatismo ou fundamentalismo extremista, dentre outras, tem origem no pensamento induzido por certas informações manipuladas. Por isso, pode-se afirmar que o obscurantismo informacional fomenta a logospirataria política manifestada na cultura de violência, das drogas e da dominação política vigente.
Diante do atual contexto, sem precedentes quanto à violência associada à cultura das drogas lícitas e ilícitas, é necessário considerar a possibilidade de intervir não somente de modo repressivo, mas também com programas e ações de ocupação e de educação integral, de assistência social, de planejamento e esclarecimento público, de tratamento médico de qualidade compatível com as demandas sociais, dentre outros.
É essencial, enfim, que, em paralelo com as ações e intervenções repressivas e encarceradoras, realize-se o trabalho preventivo de crianças, adolescentes, jovens adultos e famílias com vistas a desacelerar e, se possível, conter o rápido processo de entorpecimento sistêmico, principalmente com vistas a evitar a drogadição, a delinquência e os eventos epidêmicos de violência, de crime e de corrupção, vistos por vezes como algo natural.
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Bem interessante a forma como colocas o mecanismo institucional dentro desta rede entorpecida de ignorância. Interpreto que a força do interesse não rompe com essa barreira do obscurantismo e assim “todos” provam sempre do “segundo copo d’água”, em nosso país.