Insegurança ambiental na Amazônia
Há vários deflagradores de insegurança pública na Amazônia, dentre os quais os fatores ambientais, cuja repercussão talvez seja a de maior alcance em menor tempo.
De fato, não é de agora a preocupação mundial com o que se passa na maior região de florestas tropicais do mundo, pois afeta o meio ambiente de maneira global.
A Amazônia não é o “pulmão do mundo”, mas cumpre relevante função no equilíbrio térmico do planeta por meio do regime de chuvas, além da enorme diversidade biológica e social que comporta, tantas vezes convertida em inúmeros benefícios a toda a humanidade. È frequente a apropriação pelo mercado, via conhecimento científico e biotecnológico, de substâncias da diversidade biológica amazônica para uso medicinal, farmacológico, terapêutico, culinário, dentre outras aplicações.
A floresta tropical úmida tem sido historicamente um grande manancial para uma série de produtos e artigos explorados pela indústria médico-farmacêutica, pela indústria do garimpo, pela agropecuária extensiva, pela indústria madeireira e moveleira, inclusive de outras regiões. Quase sempre essas indústrias atuam sem observar as regras de proteção do meio ambiente e sem respeitar os direitos de compensação dos provedores do conhecimento tradicional associado ao uso patrimônio genético. Isso produz impactos realmente nocivos à natureza e às culturas nativas da região, processo esse conhecido por logospirataria na Amazônia. A prática logospirata frequentemente envolve a execução de crimes e eventos ilícitos, tais como os desmatamentos, as queimadas, a exploração irregular de recursos ambientais da floresta, como o garimpo, dentre outros.
Neste ano de 2019, o número de desmatamento e de queimadas, fora as ocorrências envolvendo degradação florestal e contaminação dos rios por conta da atividade do garimpo, cresceu muito acima das médias verificadas em anos anteriores. Isso significa enorme perda de área verde, morte de animais, aniquilação de organismos da biodiversidade, impactos nocivos sobre a sociodiversidade, expressiva redução da cobertura vegetal, desequilíbrio e até extinção de ecossistemas, dentre outras consequências devastadoras. Os primeiros prejudicados são os próprios povos da floresta: as populações tradicionais, as comunidades nativas da região, as sociedades amazônicas, o modelo ZFM (Zona Franca de Manaus) de positivo impacto ambiental, além da enorme perturbação que produz às nações pelo mundo.
Todo ano ocorre certo período de calor, de seca e de queimadas na Amazônia. Em 2019, danosos desmatamentos e queimadas se expandiram ainda mais, sobretudo por conta do desaparelhamento e desapreço aos órgãos ambientais, instrumentos de controle e agentes fiscalizadores, sejam oficiais sejam não-governamentais. Por mais que não priorizassem as questões ambientais e fossem refratários a elas, os governos anteriores eram alertados e tomavam as devidas providências por mais exigentes que elas fossem. O atual governo federal foi alertado por órgãos federais: desde janeiro de 2019, o INPE vinha informando a gravidade da situação, mas o que fez o governo central? Tratou de levantar a situação e tomar medidas e providências necessárias? Negativo! Ignorou os alertas e tratou de desqualificar, sem fundamento algum, os dados do INPE e de outros órgãos. Desdenhou e subestimou a gravidade das queimadas e dos desmatamentos na Amazônia.
Na realidade, desde quando começou o mandato, a atual gestão do governo federal tratou de demonstrar claramente que não priorizaria as questões ambientais nem considerava relevantes as reiteradas ocorrências de problemas ambientais, em especial na Amazônia, envolvendo garimpo, fazendeiros e conflitos com grupos indígenas. Buscou ideologizar a matéria, atribuindo a questão ambiental a coisa de esquerdistas e de “vegano”. Tentou extinguir o ministério do meio ambiente e disse publicamente estar do lado dos ruralistas e contra o Ibama.
Convencido de que não deveria extinguir o MMA, o governo federal nomeou como ministro alguém processado por fraudar mapas ambientais e que é réu por improbidade administrativa. Esse mesmo ministro disse considerar os problemas ambientais um assunto acadêmico e simplesmente suspendeu o mais importante programa ambiental voltado para a preservação da floresta: o Fundo Amazônia, patrocinado por outras nações. O atual ministro do MMA é uma sombria figura que nada soma à imagem do país como nação responsável em matéria de proteção ao meio ambiente. Pelo contrário, é considerado em toda parte, de modo quase unânime, como “a raposa que toma conta das aves”.
Ainda assim, mesmo tendo ignorado e desqualificado os dados e os alertas dos órgãos mencionados, o governo deveria ter ao menos considerado os efeitos dos impactos sobre a floresta amazônica nos possíveis acordos, protocolos e tratados que teria interesse de celebrar na esfera das relações exteriores.
Mas nem isso o despertou para as questões ambientais, em especial na Amazônia, evidenciando o despreparo, a inexperiência e a flagrante torpeza de propósitos para conduzir o interesse do país, no plano das relações internacionais, acima das próprias ambições de poder. Preocupou-se antes, o atual governo brasileiro, em perseguir incessantemente o ex-Coaf, em tentar diminuir a autonomia de instituições que atuam no combate à corrupção, tais como: a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Federal, o Judiciário criminal, e ainda tenta desesperadamente impor um dos filhos (investigado por crimes) como embaixador do país em Nova York (EUA). A responsabilidade para com questões ambientais na Amazônia, com efeito, nunca seria prioridade numa agenda absolutista como a do atual governo central. Porém, os potenciais efeitos nocivos ao planeta, resultantes das devastadoras queimadas e desmatamentos na floresta amazônica, não foram tolerados no Brasil nem no mundo.
Apesar de terem sido tantas as sinalizações e relevantes interesses ambientais e econômicos envolvidos, nada adiantou para que o atual governo brasileiro pudesse despertar do obscurantismo ambiental. O que esperar quando a logospirataria e o crime ambiental estão sempre à espreita, como na Amazônia, apenas aguardando certas sinalizações de omissão ou de cumplicidade do governo central para agir? Em que esse quadro poderia resultar, sobretudo considerando a rápida atuação daqueles interessados em lucrar a todo custo, sem medir danos nem consequências, com os bens e recursos da floresta amazônica?
O resultado veio sob a forma de um “tsunami” de reprovações em escala planetária. A grita foi geral, ocorrida a partir de 22.08.19 (quinta-feira), como reação à explícita postura de omissão, incompetência e negligência do governo federal diante da proporção alcançada, neste ano, pelas queimadas e desmatamentos na região amazônica. Com fotos antigas e novas, frases com ou sem sentido muito preciso, mas destinadas a chamar atenção para o que estava ocorrendo na floresta amazônica, desencadearam-se reações pelo mundo todo com manifestações de rua, nas adjacências de embaixadas brasileiras, na ONU, na internet e nas redes sociais, contra a desidiosa postura do governo brasileiro para com as questões ambientais na Amazônia.
A situação agravou-se quando a mobilização planetária começou a resultar em declarações de autoridades europeias (Irlanda, França e outros), informado a disposição de rever propostas de acordo econômico do bloco europeu com o Brasil. Ao lado disso, começaram a ser difundidas notícias de perdas em transações do agronegócio brasileiro, inclusive com revisão de contratos e de previsão de demandas. Explique-se: a situação alcançou os consumidores europeus que começaram a formar movimentos para não comprar produtos oriundos do Brasil. O cenário requer considerável habilidade diplomática, pois ultrapassa os controles oficiais e de mercado, projetando tendências negativas de consumo no âmbito do varejo com referência às mercadorias brasileiras.
A postura do atual governo federal, em relação às questões ambientais, em especial na Amazônia, produziu concretamente danos efetivos, por prazo que ainda não se consegue mensurar, à imagem e à credibilidade do Brasil no cenário externo, com enorme reflexo nas relações de comércio internacional.
Desmascarado, acuado e responsabilizado internacionalmente, o atual governo federal procedeu como é “useiro e vezeiro” em fazer: bater boca, acusar outros – agora os culpados são os de fora –, e até inventar que a soberania nacional está sendo ameaçada. Atitude imatura, torpe e irresponsável, típica de quem é contumaz em culpar aos outros para não assumir as consequências pelas próprias faltas e recorrer à mentira, à fake news e à desinformação para ludibriar os interlocutores, no caso, a sociedade brasileira. Difunde-se assim todo um lixão simbólico pelas redes sociais como método de fazer “política” e de manipular a manada que ainda consegue controlar. Essa postura dos que apoiam cegamente o atual governo faz lembrar as desculpas desarrazoadas de governos de outras épocas, até recentes, em que tudo se justificava, sem qualquer ponderação minimamente honesta. A perversa racionalidade da luta pelo poder, que polarizou irracionalmente a sociedade brasileira e a lança celeremente no obscurantismo, frustra as perspectivas políticas e econômicas em favor do país, mergulhando-o na mediocridade e na insegurança, inclusive ambiental, evidenciada no descaso do governo federal para com graves problemas do meio ambiente amazônico.
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