Em nosso país, o sentido de democracia está banalizado. Enquanto os que lutam pelo direito à liberdade de expressão são adjetivados como antidemocratas, outros poucos, que saem às ruas destruindo o patrimônio público, são tidos como “democratas”. Embora sejamos formalmente uma democracia, o povo brasileiro tem pouquíssimo poder real, devido a uma série de fatores ideológicos e institucionais. Há uma dicotomia em nossa democracia: sua natureza, ora significa a soberania do povo sobre o governo, ora descreve as instituições por meio das quais os eleitos garantem essa soberania. Mas, as necessidades do povo que deveriam pautar todas as decisões das instituições públicas, na prática, não é assim.
Quando o eleitor vai às urnas, apenas aqueles ideologistas votam no programa de governo e nas propostas apresentadas pelo então candidato. O eleitor médio varia conforme o contexto apresentado e a importância que cada pauta pode influenciar em sua vida. Além disso, muitas vezes, age inconscientemente conduzido pela opinião pública e, por conta deste emaranhado de opiniões, as quais são usadas como desculpas, as instituições não transformam os anseios da população em políticas públicas. Hoje, o que acompanhamos é o total abandono da vontade popular; as instituições se acham em elevado estado de perfeição, chegando até a ignorar os desejos do cidadão.
Fica cada dia mais claro que as instituições tentam impor suas pautas sem precisar passar pelo filtro do debate público. Esquecem que não existe democracia sem o povo. Fato evidenciado quando, esta semana, o presidente do STF afirmou: “Nós, enquanto Judiciário, enquanto Suprema Corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”. Ou seja, são eles quem decidem a ordem institucional e democrática do país.
A eleição do atual Presidente da República decerto não estava nos planos da oligarquia que controla o Brasil. Por outro lado, gerou expectativas de mudanças, em especial sobre as reformas previdenciária, administrativa, tributária e política, todas essenciais para o desenvolvimento do país. A transição é difícil, porém possível. Mas surgem os dilemas: pelo sistema atual, somente o alinhamento com políticos de diversas ideologias e caráter duvidosos garante-se o poder real às reformas necessárias, ou seja, negociar com o centrão e todo tipo de usurpadores de cargos e dinheiro público.
E por que isso acontece? Por conta de uma adesão superficial de candidatos às pautas conservadoras e do oportunismo barato de outros tantos políticos. Com isso, não podemos exigir que a democracia representativa seja efetiva, quando não temos nas instituições pessoas capazes de transformar as pautas de combate à corrupção e à criminalidade, desenvolvimento econômico e proteção à família em leis que realmente traduzam a aspiração da população.
As eleições municipais batem às portas este ano. Alguns grupos e partidos políticos, a exemplo das espécies mais sorrateiras que se adaptam rapidamente às mudanças bruscas de ambiente, têm consciência de que as pautas conservadoras podem restaurar a conexão entre o legislativo e a população, começam a criar narrativas nas quais se tornam os “verdadeiros defensores” dos valores e interesses de eleitores mais conservadores.
É o caso do deputado Roberto Jeferson, que demonstra uma capacidade adaptativa de transformar-se no maior defensor do Presidente da República. E mais: não será surpresa que candidatos dos partidos DEM e do MDB, seguindo o novo nicho eleitoral, apresentarem-se nas próximas eleições como os maiores defensores da direita, atestando como prova, convenientemente, o afastamento do centrão.
Assim, para que reformas ocorram e de modo diferente de como foi aprovada a Reforma da Previdência – distante do esperado pelo governo – não se deve esperar por arranjos de poder e aproximação do Executivo com os aproveitadores do centrão, abrindo mão de pautas caras aos conservadores. É importante primeiro eleger pessoas comprometidas com as pautas conservadoras para então criar mecanismos tanto de aproximação destes com o povo, quanto de forma ostensiva de cobrança aos membros do Legislativo.
A verdadeira democracia vem do poder do povo, e este não precisa apostar na pressão indireta e desgastante das manifestações de rua para fazer valer seus interesses. O Poder Executivo precisa ser eleito para administrar as pautas de seus eleitores e os membros do Legislativo criarem leis conforme os anseios de toda a sociedade, sem precisar de negociatas custosas, a chamada “governabilidade”.
Sérgio Augusto Costa é Advogado, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.
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