
Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS — A defesa do adolescente Carlos Maxsuel da Silva, de 14 anos, que tem TEA (Transtorno do Espectro Autista), solicitou à Justiça que Aldon Pinto de Oliveira, de 49 anos, responda pelo crime de tortura — considerado inafiançável e que, por lei, não pode ser perdoado por meio de graça ou anistia. Carlos foi brutalmente agredido pelo homem com socos e pauladas em uma rua de Manaus, em março deste ano.
Após ouvir testemunhas sobre o caso, a Polícia Civil do Amazonas elaborou um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) e enquadrou Aldon no crime de lesão corporal leve, que são crimes “pequenos”, em que não há risco de morte. O advogado Vilson Benayon, que acompanha Carlos, discordou e afirmou que o caso é de tortura, pois o agressor “batia de forma coordenada”.
“A gente está tentando tipificar para tortura porque não foi lesão corporal. O cara teve a vontade de, consciente, causar dor e sofrimento. Ele batia de forma coordenada. Batia e olhava na cara dele [do adolescente] pra ver se ele estava sentindo dor. Isso é muito cruel”, afirmou Vilson. “O garoto foi espancado, foi esganado. Ia ser levado para dentro da casa e iam torturar, bater mais”, completou o advogado.
“Mas o delegado de polícia, que só instaurou o procedimento após a repercussão, instaurou TCO de lesão corporal”, disse Benayon.
As agressões ocorreram no dia 19 de março, na esquina entre as ruas Brasil e Trindade e Tobago, no bairro Colônia Terra Nova, na zona norte de Manaus, e foram registradas por câmeras de monitoramento de uma residência.
Por volta das 11h, enquanto voltava da escola pela Rua Trindade Tobago e ainda vestia o uniforme escolar, o adolescente foi abordado por Aldon, que surgiu pela Rua Brasil e o agrediu com socos e com um pedaço de madeira. Assustado, o garoto apenas tentou se proteger, levantando o braço.
Em seguida, o filho de Aldon apareceu pela Rua Trindade Tobago, formando um cerco, e tentou agredir o adolescente, mas foi contido pelo próprio Aldon, que logo depois segurou o garoto pela gola da camisa. Assista ao vídeo.
Carlos relatou à polícia que foi agarrado pelo pescoço por Aldon, que o enforcou, deu um soco em seu rosto e uma paulada, além de chamá-lo de “bandido da boca”. Segundo o adolescente, a ação foi interrompida após a intervenção de vizinhos. O caso foi registrado no 18º DIP (Distrito Integrado de Polícia)
Em depoimento na delegacia, Aldon negou que tenha tentado levar o adolescente para dentro de uma residência para agredi-lo. Ele também afirmou que não sabia que o garoto era autista e disse ter pedido desculpas à avó dele.
A mãe do adolescente afirmou que o filho caiu em uma emboscada armada por Aldon, que alegava que estudantes chutavam a porta da casa dele todos os dias nesse horário.
“Vinha ele [adolescente agredido] e mais três alunos atrás dele e nisso, na rua que ele vinha, mora um cara que se diz ex-policial e toda vez passam crianças, no horário de 11h30, chutando o portão dele, então ele armou uma emboscada, foi assim que ele falou pra minha mãe”, disse a mãe do adolescente. “Ele achava que meu filho tinha chutado o portão da casa dele”, completou.
No dia 27 de maio, na 2ª Vara do Juizado Especial Criminal, ocorreu a audiência de composição civil, uma reunião que existe para que o autor e a vítima possam chegar a um acordo. Na ocasião, no entanto, não houve acordo.
Vilson Benayon afirmou que Carlos teve receio até de entrar na sala onde ocorreria a audiência, e classificou como uma “insensibilidade” do cartório a decisão de realizá-la, considerando a gravidade do caso. “No dia da audiência, ele ficou com medo até de entrar na sala. Foi uma insensibilidade do cartório em marcar uma audiência de conciliação”, disse o advogado.
Vilson disse ao ATUAL que pediu para que o caso seja tratado como crime de tortura. Segundo o advogado, o Ministério Público, que poderia apontar erro no enquadramento do agressor, ainda não se manifestou.
O advogado comparou o caso do adolescente autista com o caso das mulheres agredidas em um centro de eventos na zona sul de Manaus em março deste ano. Naquele caso, segundo ele, o Ministério Público pediu a prisão do agressor.
“Se você quiser fazer uma comparação daquelas mulheres saindo de uma festa no Studio 5, em que teve um acidente de carro e o cara agrediu, o cara tá preso. O Ministério Público pediu prisão e o cara tá preso. Mas no caso do autista, que foi torturado pelo cara e teve uma esganadura, quase foi levado para dentro da casa, o cara não sofreu nada. Só lesão corporal simples”, disse Benayon.
“Qual é a diferença de um autista para uma mulher? São muitas. O autista é incapaz de se defender, incapaz de ver maldade. Mas por que saiu a prisão preventiva para o agressor de uma mulher e não sai a prisão preventiva um cara que torturou um autista? ‘Ah, porque é lesão corporal’. Não foi lesão corporal. Basta apenas uma simples leitura dos fatos”, afirmou o advogado.
O caso teve repercussão na CMM (Câmara Municipal de Manaus) e na Aleam (Assembleia Legislativa do Amazonas). Parlamentares repudiaram a violência contra o adolescente. “É inadmissível que uma situação como essa aconteça. O jovem e sua mãe merecem respeito, dignidade e, acima de tudo, justiça”, declarou o vereador Marco Castilhos (União Brasil).
“Isso não pode ficar impune. Um homem adulto, armado com um pedaço de pau, espanca um adolescente indefeso no meio da rua e sai da delegacia como se nada tivesse acontecido? Estou ao lado da mãe de Carlos e não vou descansar enquanto esse crime não for punido”, afirmou o deputado estadual Mário César Filho (União Brasil).
Questionado pelo ATUAL sobre a tipificação do crime, o Ministério Público do Amazonas informou que ainda não foi formalmente consultado a se manifestar sobre o caso, impossibilitando qualquer manifestação por parte do órgão.