O Carnaval de Manaus está em franca decadência. Isso pôde ser constatado pela ausência de público no Sambódromo, na noite de sábado e madrugada de domingo para o desfile das escolas de samba do grupo especial. As nove agremiações passaram melancólicas diante de um público toldado pelo concreto das arquibancadas vazias. Um contraste dos velhos tempos do Centro de Convenções, quando o público disputava cada milímetro e se espremia nos degraus para ver sua escola do coração. Aquele público, que fazia um espetáculo à parte nos intervalos dos desfiles, desapareceu.
Pode não ser adequada a comparação, mas o Carnaval das escolas de samba segue a mesma trilha do futebol amazonense, que começou a perder público no fim dos anos de 1970 até chegar ao fundo do poço. Os clubes ainda contam com uma minguada torcida, que teima em ir aos estádios, mas não conseguem atrair os não apaixonados.
O fenômeno de perda de público, em qualquer tipo de espetáculo, tem a ver com a qualidade das apresentações, ou com a falta dela. E em Manaus, onde se concentra a maior parte dos clubes de futebol profissional e as escolas de samba, essa falta de qualidade é inquestionável. O Carnaval repete o futebol, sem sombra de dúvidas.
Houve um tempo em que o Carnaval de Manaus tinha como parâmetro as escolas de samba do Rio de Janeiro. Chegou-se a dizer (os dirigentes das escolas diziam) que a capital amazonense tinha o segundo melhor Carnaval do Brasil. São Paulo, que que nem aparecia no cenário nacional, conseguiu profissionalizar o seu desfile e hoje desponta como um grande espetáculo, a ponto de ser transmitido pela Rede Globo. E o que houve com o Carnaval de Manaus?
Uma análise mais consistente precisa ser feita para responder a essa questão. Mas em grande medida, as escolas de samba perderam a identidade, distanciando-se da comunidade. Tal distanciamento é caracterizado, principalmente, pelo fato de as agremiações passarem o ano com as portas fechadas. Abrem-sem as portas apenas às vésperas dos desfiles. Neste ano, até os ensaios de alguns escolas de samba foram feitas fora do domicílio, ou seja, longe das quadras. Outras escolas – o que é mais grave – sequer tem uma sede, migram de bairro de tempos em tempos (caso da Sem Compromisso).
As exceções ficam por conta da Aparecida e da Reino Unido da Liberdade, campeã e vice-campeã do Carnaval deste ano. Nessas duas escolas, ainda há forte envolvimento da comunidade, mas insuficiente para arregimentar público para o Sambódromo.
Outro problema que contribui para a decadência do Carnaval de Manaus é a dependência do Poder Público que as agremiações insistem alimentar. Não há mobilização no sentido de captar recursos de outras fontes. Como a fonte estatal tem a torneira controlada, a água que jorra é insuficiente para irrigar a criatividade e transformar os enredos em espetáculo. O resultado são alegorias pobres e fantasias descartáveis, com material de péssima qualidade, que se desmancha ao longo dos 30 minutos em que o brincante passa na pista do Sambódromo.
Sem ter o que assistir, o público não sai de casa. No tempo das vacas gordas, de público superior à capacidade do sambódromo, cheguei a defender que fosse cobrado ingresso dos espectadores. Isso nunca foi feito porque os governadores de plantão sempre pensaram que a medida resultaria em perda de voto nas eleições seguintes. Hoje, suspeito que mesmo pagando o público, muita gente não se sentiria atraída a assistir aos desfiles.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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