Por Iolanda Ventura, do ATUAL
MANAUS – Adolescentes e jovens em Manaus que cuidaram ou ajudaram a cuidar de alguém enfrentaram dificuldades para acompanhar as aulas remotas na pandemia de Covid-19. É o que mostra a pesquisa “Diagnóstico da promoção, proteção e defesa do direito da criança e do adolescente à convivência familiar e comunitária em Manaus”.
O estudo da organização global Aldeias Infantis SOS, divulgado na manhã desta terça-feira (6), entrevistou 410 alunos entre 12 e 29 anos, de 15 escolas públicas estaduais e 5 públicas municipais (fundamental, médio e modalidade EJA), de todas as regiões da capital. A aplicação dos questionários foi entre março e maio de 2022.
Dos 410 estudantes, 160 declararam ser cuidadores. Destes, 68% não conseguiram estudar bem na pandemia. A maior parte cuida dos irmãos e sobrinhos.
José Carlos Sturza de Moraes, coordenador do estudo e integrante do IBC (Instituto Bem Cuidar), afirma que o percentual de 68% foi acima do esperado. “Nós temos uma grave violação de direitos, que coloca em risco a vida dessas crianças e adolescentes, coloca em risco as suas famílias, porque daqui a pouco os pais vão ser acusados de abandono, negligência. E muitos desses pais e mães tem que sair para buscar trabalho”, disse.
O estudo ressalta que embora o cuidado entre irmãos e de outras pessoas por adolescentes e jovens possa ter componentes positivos de unidade familiar, solidariedade e corresponsabilidade, a prática continuada (não eventual), especialmente quando desempenhada por adolescentes, pode acarretar riscos importantes para quem cuida e para quem é cuidado, e pode gerar
sofrimentos emocionais.
“Para nós, aquele trabalho lá de adolescentes cuidando de crianças, adolescentes ou outros familiares, é exploração de trabalho infantil, é exploração de trabalho juvenil. Só que é aquela exploração como as mulheres sofrem, na dupla, tripla, quádrupla jornada de trabalho invisível. Nós precisamos visibilizar isso, inclusive para tentar estratégias”, afirmou Sturza.
Sexo, cor e idade
Dos 410 entrevistados, 205 declararam ser do sexo feminino; 196 masculino; 2 não binários; 1 se sente menino e menina; e 6 não responderam.
A pesquisa revela que exercer o papel de cuidador, mesmo quando adolescente ou jovem, é demarcado pelo gênero. “São as meninas que cuidam em maior proporção em comparação aos meninos, embora estes também apareçam com percentual significativo como cuidadores. Dentre as meninas, 44% disseram que cuidam ou que ajudam a cuidar de alguém; dentre os meninos, 35% cuidam ou ajudam a cuidar de outra pessoa”, diz trecho do relatório.
Pessoas adolescentes e jovens autodeclaradas brancas são demandadas a cuidar ou a ajudar a cuidar em menor proporção, se comparadas a pessoas adolescentes e jovens autodeclaradas de cor parda ou preta. Segundo o estudo, 31% dos brancos cuidam de alguém; pardos, 42%; e pretos, 57%, pretos.
Entre adolescentes de 12 a 14 anos, 36% relataram que cuidam ou ajudam a cuidar de
alguém. Entre adolescentes e jovens com 15 anos ou mais, a proporção é maior: mais de 40%.
Já entre adolescentes e jovens que trabalham, é maior a proporção dos que também cuidam ou ajudam a cuidar de alguém: 46% são cuidadoras, ao passo que entre aquelas que não trabalham 38% são cuidadoras.
“Essa situação faz emergir aspectos estruturais da sociedade sobre as juventudes, especialmente pobre, negra e do sexo feminino, confirmando que as desigualdades de renda, cor da pele e gênero têm impactos objetivos sobre a vida das pessoas, como a dupla ou tripla jornada de trabalho precoce. Claro que as dificuldades para acompanhar estudos tendem a acarretar rendimento e aprovações/reprovações escolares também diferenciadas”, pontua o relatório.
(Colaboraram Vívian Oliveira e Hudson Neris)