Da Redação
MANAUS – O atendimento psicológico de jovens indígenas foi escasso durante a pandemia de Covid-19, mostra estudo de pesquisadores da Fiocruz Amazônia (Fundação Oswaldo Cruz). A pesquisa abrangeu oito regiões da Amazônia. A intenção, segundo os pesquisadores, é obter dados sobre a saúde mental de indígenas. A coleta de dados ocorreu entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021.
“O estudo se concentrou no entendimento sobre o conhecimento, as atitudes e as práticas (CAP) dos jovens sobre a saúde mental no período da pandemia. Os resultados mostram que as famílias indígenas foram fortemente atingidas pela pandemia, ocasionando óbitos e insegurança sobre o bem-estar social da comunidade”, diz Júlio Schweickardt, pesquisador da Fiocruz no Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia.
A ação integrou o projeto “Povos Indígenas da Amazônia Contra a Covid-19 – PIACC”, do qual participaram, além da Fiocruz, a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e o Unicef (Fundo das Nações Unidas para Infância), e contou com financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. Estima-se um total de 94 povos, cerca de 2 mil comunidades e 27 mil famílias beneficiadas com as atividades do projeto.
O PIACC se estendeu pelos estados do Amazonas, Acre, Pará, Roraima e Amapá, cobrindo prioritariamente oito regiões: Tumucumaque e Paru D’Este (PA); Guamá Tocantins (PA); Leste de Roraima (RR); Alto Rio Negro (AM); Alto Rio Solimões (AM); Alto Purus (AM, AC); Médio Purus (AM); e Yanomami/AYRCA (AM).
Foram ouvidos 533 jovens, entre 15 e 22 anos, que responderam um questionário com 48 perguntas. Embora 98% dos participantes tenham relatado fazer uso de medidas de proteção como uso de máscaras, álcool em gel, restrição de viagens, cerca de 37% relatou ter sido infectado e 68% dizem ter tido alguém da família com Covid-19. Apenas 17,3% disseram que adotaram algum cuidado de prevenção como remédios caseiros.
“Esses dados evidenciam a necessidade de fortalecimento da rede de proteção social e de saúde mental para essas populações. Isso já era uma fragilidade antes da pandemia e continuará sendo um caminho a construir mesmo passado o momento mais crítico da pandemia”, diz Michele Rocha El Kadri, coordenadora-geral do projeto da Fiocruz Amazônia.
A região do Alto Solimões concentrou a maior quantidade de indígenas ouvidos: 111. Depois foi o Leste de Roraima, com 106 questionários válidos.
Júlio Schweickardt afirma que foi observada a existência de problemas sociais. “(Os dados) Apontaram que convivem com muitos problemas relacionados ao uso de bebidas alcoólicas e violências, sendo, portanto, necessário o investimento em projetos que envolvam o lazer, os esportes, geração de renda e alternativas de estudo. O estudo contribuirá no planejamento das instituições para o trabalho com jovens indígenas”, diz o coordenador.
Dificuldades de acesso
A indígena Wauana Sheeva Manchineri atuou como apoiadora do estudo na região do Alto Rio Purus. Formada em Gestão de Agronegócios pela Universidade de Brasília, a articuladora afirma que entre as principais dificuldades encontradas na aplicação do questionário foi o acesso à internet. “Então, foi necessário utilizar outras medidas para contato como ligações telefônicas para que o instrumento tivesse maior distribuição entre etnias, aldeias e faixa etária”, diz.
Outra dificuldade, segundo Wauana, foi relacionada às distâncias e à própria comunicação com as pessoas das comunidades. “A região do Alto Purus possui sete povos distribuídos em várias comunidades, que, em sua maioria, são distantes, onde não há acesso à telefonia e muito menos à internet. Entre os integrantes dos povos Jamamadi e Kulina, por exemplo, existem pouquíssimas pessoas falantes português”.