Da Redação
MANAUS – O aumento de casos de Covid-19 em Manaus gerou impasse na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Pesquisador da instituição, Jesem Orellana defende o lockdown (confinamento total) na capital. Segundo ele, o aumento no número de pessoas infectados após o pico-pandemia representa uma segunda onda de contaminação. Em nota técnica, a Fiocruz descarta novo pico e recomenda apenas o distanciamento social. Orellana diz que foi desautorizado pela entidade a falar em nome da fundação.
A Fiocruz informa que a nota, elaborada pelo Observatório Covid-19 Fiocruz e pela Fiocruz Amazônia, envolveu pesquisadores de diferentes laboratórios e reforça a contribuição da instituição na produção de informações técnicas, embasadas por dados e evidências científicas, que possam auxiliar no enfrentamento e na resposta à pandemia.
Segundo dados nacionais da vigilância de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), a partir da Semana 34 (16/8 a 22/8), os pesquisadores observaram um sinal de retomada de crescimento na tendência de longo prazo nos casos tanto no estado, como em Manaus. A nota técnica pontua um crescimento ainda lento de casos, porém persistente.
Além da taxa de incidência de SRAG no Amazonas, o documento traz análises sobre a evolução de casos confirmados e óbitos de Covid-19, e ocupação de leitos de UTI no estado.
Em razão dos dados levantados, a nota aponta a necessidade de reforço das medidas de proteção individual e coletiva, assim como o aumento na capacidade da testagem de casos suspeitos e contatos, e da vigilância epidemiológica local, com ampliação da captação de suspeitos por meio da demanda passiva e busca ativa de casos.
Também indica necessidade de fortalecimento da rede no combate à Covid-19, dentro do caminho percorrido da atenção primaria à atenção terciária; e destaca a importância da realização de um estudo epidemiológico de campo na cidade de Manaus que possa auxiliar e orientar planejamento e monitoramento da epidemia.
Em avaliação dos casos durante as duas últimas semanas, menos de 5% das amostras obtidas envolvendo síndrome de influenza e analisadas em centros de vigilância sentinela apresentaram resultado positivo para Covid-19. No contexto da vigilância sentinela da síndrome da influenza, segundo a Fiocruz, uma baixa porcentagem de amostras positivas indica baixa transmissão comunitária.
Confira a nota técnica na íntegra da Fiocruz.
Leia a íntegra da nota do pesquisador Jesem Orellana publicada na coluna Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo.
Saibam que a comunicação da FIOCRUZ-RJ (ligada diretamente à Presidência) me orientou a não me identificar como sendo da FIOCRUZ em entrevistas sobre Lockdown e, foi além, ao afirmar que “a FIOCRUZ não recomenda Lockdown”, o que antes de tudo é, no mínimo, desprovido de amparo científico e apenas reforça a narrativa do Presidente Bolsonaro (https://amazonasatual.com.br/presidente-classificou-como-absurda-proposta-de-lockdown-feita-por-arthur/). Pedi provas documentais/científicas e essa pessoa recuou dizendo que, na verdade, dependia de “bom senso”.
Essa pessoa ainda me chamou de “sem noção” por ter aventado a possibilidade de Lockdown em Manaus. Apenas reforço, que em todas as entrevistas disse que quando falhamos com medidas menos extremas, caso de Manaus, só resta o Lockdown.
Em junho um documentário que seria veiculado pela EBC foi suspenso, depois de ampla divulgação. Detalhe, tinha uma fala minha (e talvez de outros cientistas) criticando a forma ineficaz que o governo federal vinha administrando a epidemia. Resultado? Suspenderam o programa de última hora. Até entendo, pois trata-se de emissora do governo. Agora, a FIOCRUZ fazendo isso comigo é dureza!
Para o bem ou para o mal, pelo menos por enquanto, irei me abster de comentários sobre a situação de Manaus nos mais diferentes meios. Creio que fiz o que estava ao meu alcance, pois tenho emitido alertas desde agosto e agora, quase 40 dias depois, a realidade é a que temos acompanhado: número de infecções aumentando, de casos novos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), de internações em leitos clínicos e de UTI.
Este é o meu limite, daqui em diante, cabe a sociedade e ao poder público decidirem nosso futuro. O que me preocupa é que o contexto atual é o mesmo de março, quando havia uma certa apreensão, mas ninguém nunca imaginou o que poderia acontecer em abril/maio: uma catástrofe sanitária sem precedentes. Obviamente, não teremos nada parecido com a primeira onda nos próximos meses. Mas, naturalizar adoecimentos e mortes é algo grave, desumano e antiético.
Como epidemiologista, meu dever é o de antecipar o pior, ajudando a poupar vidas e mais sofrimento. Mas, vejo que o modelo hegemônico é o de contar mortos!
Saibam que me retiro de cabeça erguida e com a sensação de dever cumprido. Nas duas últimas horas recebi três pedidos de entrevistas, entre eles um da BBC, mas optei pelo silêncio moral e pelo mais profundo repúdio a tudo que tenho acompanhado!
Jesem Orellana
Epidemiologista-FIOCRUZ/Amazônia