Por Milton Almeida, do ATUAL
MANAUS – De 1º de janeiro a 24 de julho deste ano, 20.221 focos de calor foram registrados na Amazônia Legal. É a maior quantidade de incêndios desde 2005, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Houve aumento de 43,2% em relação ao mesmo período de 2023 (14.116 focos de calor).
Úmida, a floresta não se autoqueima. O fogo é provocado por ação humana. Seja para desmatar áreas de floresta para o pasto de gado ou para plantações de soja, milho e cana. A maior incidência de incêndios ocorre entre julho e novembro, no chamado verão amazônico.
O fogo é o método fácil, rápido e de custo zero para limpar grandes extensões de floresta. Mas há tecnologia que elimina 100% o recurso das chamas ardendo na mata e proporciona fertilidade do solo. Está ao alcance de pecuaristas e agricultores. Mas dá um pouco mais de trabalho.
A fórmula foi desenvolvida pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Trata-se do “sistema de corte e trituração”, uma das melhores estratégias ecológicas para manejar agricultura na Região Norte em particular e no ecossistema amazônico como um todo.
Estudos realizados pela instituição em áreas experimentais na Amazônia mostram que o sistema de “corte e trituração” promove maior acúmulo de matéria orgânica no solo e garante que o plantio possa ser feito em qualquer época do ano.
“A Embrapa desenvolveu a tecnologia denominada de ‘Tipitamba – produzir sem queimar’. Atualmente os estados do Pará, Maranhão, Tocantins, Acre e Roraima utilizam esse método para preparar o solo, deixando incorporado o resíduo vegetal que ajuda a manter a matéria orgânica no solo, não exposta, evitando o fogo acidental, bem como, é usado pelos brigadistas para fazer aceiro para evitar que o fogo se alastre para outras áreas da floresta”, diz o pesquisador Silas Garcia, doutor em Ciência Florestal.
Com a trituração, é possível também deixar na superfície do terreno uma densa camada de fitomassa (quantidade de biomassa vegetal), cobrindo e protegendo o solo contra a erosão.
Morte do solo
Por outro lado, a queima de uma área para a implantação do roçado provoca a morte de organismos do solo e consideráveis perdas de nutrientes, algo que é escasso no solo da floresta, isto é, a fertilidade natural dos solos da Amazônia é baixa.
“Na minha opinião a questão do fogo na área urbana decorre de dois fatores: a tradição da população em queimar resíduos vegetais (folhas, galhos, madeira, papelão…) e demais lixo no quintal e a falta de uma legislação municipal para incentivar a população a separar o lixo. Na área rural, o corte e queima também é uma tradição para limpar o terreno e fazer assepsia (controle de pragas e doenças que podem afetar as plantas cultivadas). Os agricultores cortam e queimam a vegetação porque não possuem máquinas”, diz o pesquisador.
Ainda segundo estudos da Embrapa, o solo na Amazônia sofre mudanças desde o final dos anos 1960, com a conversão da vegetação nativa para a agricultura, com a extração de madeira e a queima das florestas. No entanto, as terras são abandonadas depois de 10 ou 20 anos devido à baixa fertilidade dos solos.
Falta de conhecimento
No início deste mês o Governo do Amazonas publicou o Decreto nº 49.764, estabelecendo emergência ambiental em todo o estado, devido às queimadas.
Para o Corpo de Bombeiros, muitos agricultores do Amazonas não seguem normas de sustentabilidade “para trabalhar a terra”.
“Há um grande problema com relação à limpeza do terreno. Os pequenos agricultores não têm maquinários e então eles têm que fazer a queimada para realizar o processo de plantio”, diz o tenente Nélio Gomes, que realiza palestras de conscientização nos municípios do Amazonas.
Outro problema identificado pelos Bombeiros é a falta de conhecimento de técnicas para realizar as “queimadas controladas” e o processo de plantio. “No processo de limpeza do terreno, eles (agricultores) não fazem o aceiro (barreira contra o fogo), não diminuem o material inflável. Então há um perigo de que o fogo se propague para áreas próximas da limpeza”, diz o tenente Gomes.
Especialistas do Corpo de Bombeiros realizam palestras para ensinar técnicas de limpeza de terrenos por diversos municípios do estado. “Desde o dia 12 de junho, fizemos várias palestras em municípios, escolas e meios de comunicação sobre prevenções para evitar queimadas”, diz Gomes.
“A forma correta que nós temos hoje para evitar incêndios é fazer a limpeza do local do plantio e não fazer a queima. Pegamos a sobra (de resíduos) e fazemos adubo”, complementa.
Cultura amazônica
Para Gomes o “costume de limpeza do terreno” é muito comum nos municípios do interior do Amazonas. “Nas palestras, observamos que os moradores do interior ou o pequeno agricultor não tem a necessidade de queimar (o terreno). Mas, pela cultura deles, fazem por um costume familiar. Nós orientamos que eles só façam a limpeza da área se houver necessidade de plantio e ensinamos o que dizem as leis ambientais e as penalidades. É um trabalho de conscientização”, diz.
Segundo o CBMAM, os que mais recebem a visita dos palestrantes dos Bombeiros são os municípios do sul do Amazonas, onde os focos de incêndios são mais fortes.
“Em média, fazemos duas palestras por dia nesses municípios. Mas é difícil mudar a mentalidade de uma pessoa adulta. Acho que devemos começar a educar as crianças para que tenhamos resultados melhores no futuro. Por isso, vamos às escolas, casas, fazendas para dar orientação”, diz Gomes.
Para o presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho, os focos de calor geram um alerta, mas, para mensurar o estrago, é preciso saber o tamanho da área queimada.
A Lei de Crimes Ambientais nº 9.605 de 1998 descreve o crime de poluição como ato de “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora” (Art. 54)
Exemplos desse tipo de crime são as queimadas de terrenos, quintais e lixo doméstico que emitem poluição na forma de fumaça, causa risco de incêndio para as habitações locais e ao patrimônio público, destrói a vegetação e pode causar a morte de animais que ocupam as redondezas. A pena prevista é de até quatro anos de reclusão. A lei prevê penas maiores para hipóteses mais graves.