Da Folhapress
BRASÍLIA – As iniciativas de interromper estudos com cloroquina feitas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e outras instituições não levarão o Conselho Federal de Medicina a rever o parecer dado em abril sobre o uso do medicamento em casos de Covid-19. A posição é defendida pelo presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Ribeiro, em entrevista à Folha de S.Paulo.
MR – “O que estamos ansiosos é pela divulgação de pesquisas sérias que nos indiquem um caminho para tratamento da doença. Nosso parecer nunca vai ser manipulado. A hora que saírem os estudos, vamos seguir”, defende.
Segundo ele, que tem evitado em comentar o tema nos últimos dois meses, o conselho tem recebido os anúncios da OMS “com tranquilidade”. Ribeiro afirma que houve uma politização excessiva em torno do medicamento.
MR – “É algo que beira ao absurdo. O que temos hoje é que quem é a favor do Bolsonaro defende de forma apaixonada, e quem é contra refuta de forma apaixonada”.
Em abril, quando Luiz Henrique Mandetta era ministro da Saúde, o conselho foi solicitado a dar um parecer sobre o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19. Em um documento, a entidade reforçou que não havia evidências sobre o uso do remédio, mas autorizava médicos a prescreverem o medicamento em três situações: 1) paciente com sintomas leves, em início de quadro clínico e com diagnóstico confirmado; 2) paciente com sintomas importantes, com ou sem recomendação de internação e 3) pacientes críticos na UTI com uso de ventilação mecânica.
Desde que o parecer foi divulgado, o aval do conselho à prescrição tem sido citado pelo presidente Jair Bolsonaro e pela atual equipe do Ministério da Saúde para defender mudanças na oferta da cloroquina – o que era rechaçado pela equipe de Mandetta.
A discordância em relação ao uso do remédio colaborou para a saídas de Mandetta e de seu sucessor, Nelson Teich, para quem o CFM deveria rever a posição sobre a possibilidade de uso off-label (fora da bula) do medicamento.
Atualmente, o parecer é usado como justificativa pelo Ministério da Saúde para oferta do remédio a pacientes com quadros leves da Covid, ainda que “sem comprovação de benefício inequívoco”, como ressalta a pasta, e com alerta sobre riscos. Até então, o medicamento era indicado apenas para casos graves e críticos.
Ribeiro evita comentar a posição do ministério, mas diz que “todos têm opinião sobre a cloroquina”, incluindo “a imprensa, advogados, os arquitetos e os médicos”.
Ele reconhece que ainda não há comprovação de eficácia do uso do medicamento, indicado originalmente para malária, artrite e lúpus, no tratamento de infecção pelo novo coronavírus.
MR – “Hoje, à luz da ciência e da medicina baseada em evidências, não existe nenhuma droga com eficácia comprovada no tratamento da Covid-19”, afirma.
“Existem estudos observacionais para os dois lados, mostrando que [a cloroquina] pode fazer mal ou fazer bem”, afirma.
Segundo ele, apesar de não ver essa necessidade agora, a autarquia “pode rever o documento (sobre o uso da cloroquina em infectados com o novo coronavírus) a qualquer momento” a partir do resultado de novos estudos.
Um desses casos, disse, quase ocorreu após estudo publicado na Lancet com 96 mil pacientes e que apontava maior risco de arritmia e de morte em comparação com pacientes que não usaram os medicamentos.
O estudo, porém, foi retirado da revista após polêmica envolvendo a transparência dos dados.
MR – “Aquele estudo era tão devastador e contrário à hidroxicloroquina que obrigatoriamente teríamos que rever o parecer se aquilo se confirmasse. Mas agimos com cautela, com prudência, para ver a repercussão. E aconteceu o que aconteceu: foi uma coisa tão constrangedora que o estudo foi retirado pelo próprio autor”, diz.
Embora revista, a pesquisa da Lancet não foi o único revés recente ao uso da cloroquina.
Após idas e vindas, a Organização Mundial da Saúde anunciou em 17 de junho que decidiu interromper os experimentos com hidroxicloroquina para tratamento de Covid-19 no estudo Solidarity, que está sendo realizado em vários países do mundo, com pacientes hospitalizados.
Segundo a organização, a revisão feita por um comitê independente e resultados de outros estudos mostraram que não houve redução na mortalidade dos doentes que receberam a droga.
Neste sábado, 4, a entidade voltou a frisar que a decisão havia ocorrido em definitivo para o Solidarity.
Dias antes do primeiro anúncio da OMS, a FDA (agência que regula medicamentos nos Estados Unidos) também revogou a autorização de uso emergencial do medicamento naquele país, alegando que “não era mais razoável” acreditar que a droga tivesse eficácia contra a Covid-19.
MR – “Muito foi falado do que fez o FDA, mas ele retirou para pacientes graves”, afirma, referindo-se a uma ressalva feita no documento de que há baixa possibilidade de eficácia para esses casos.
Enquanto entidades recuam das orientações, o Ministério da Saúde tem redobrado a aposta no medicamento. Recentemente, a pasta decidiu estender a possibilidade de oferta do remédio para gestantes e crianças -mesmo com recomendações contrárias da Sociedade Brasileira de Pediatria, por exemplo. Questionado, o presidente do CFM evita comentar a decisão do ministério.
MR – “Ele fez uma orientação, não vou defender ou criticar. Para nós, (o parecer) está sendo seguido”, diz ele, para quem a necessidade decisão compartilhada entre médico, paciente ou responsável engloba esses casos.
Ainda assim, ele diz reconhecer que outras drogas têm tido resultados mais promissores em estudos iniciais que a cloroquina, caso da dexametasona e remdesivir, por exemplo. Mas alega que não cabe ao CFM fazer um novo parecer sobre elas.
MR – “Esses medicamentos já se impuseram. Quem hoje se coloca contra dexametasona por um paciente que necessita de oxigênio? Não tem. A hidroxicloroquina é que está totalmente politizada”.
E o conselho não teria colaborado para acirrar essa politização?
MR – “O CFM foi usado tanto por um lado quanto pelo outro. Quem é contra a cloroquina interpreta o parecer de uma forma, e quem é a favor, de outra forma. É esse o ponto. Mas não teve por parte do CFM nenhum ato político. Quem solicitou o parecer foi o Ministério da Saúde”, diz ele, segundo quem o conselho não se arrepende de ter o feito o documento.
O tema, no entanto, gera polêmica entre médicos, que têm reclamado de pressões para indicar o uso do medicamento.