Por Larissa Garcia, da Folhapress
BRASÍLIA – Um estudo feito por servidores do BC (Banco Central) mostra, na prática, a relação entre acesso de empresas a crédito e movimentos no mercado de trabalho.
Segundo a pesquisa, companhias que passam por dificuldades financeiras e recebem injeção de recursos (empréstimos) ou conseguem renegociar as dívidas tendem a elevar o investimento e número de funcionários, principalmente os mais qualificados, com nível superior ou técnico.
A comparação foi feita com empresas sem problemas financeiros. Os pesquisadores usaram a introdução da lei de falências e recuperação das empresas, de 2005, para fazer a análise. As novas regras melhoraram a qualidade das garantias de crédito e permitiram que as empresas tivessem mais acesso a empréstimos.
De acordo com o documento, a realocação de recursos pelas empresas com a nova lei – e consequentemente seu acesso a crédito – representou 36% do crescimento do que chamam de produtividade agregada na década de 2000.
A produtividade agregada é uma estimativa de quanto os trabalhadores de todos os setores produzem e contribuem para a geração de valor na economia. “Essa regulamentação fortaleceu os direitos dos credores garantidos e levou a um forte aumento da taxa esperada de recuperação dos créditos”, explicaram, em nota, Julia Fonseca e Bernardus Van Doornik, servidores do Departamento de Pesquisas do BC e autores do trabalho.
Embora o estudo tenha sido publicado no site da autoridade monetária, os documentos são atribuídos a cada pesquisador e, segundo a autarquia, não refletem necessariamente a visão institucional.
“Com a ampliação do crédito, empresas mais restritas financeiramente investiram mais e empregaram mais”, diz o texto. Segundo eles, as restrições financeiras são uma característica generalizada das economias de baixa e média rendas.
“A literatura acadêmica mostra que as restrições financeiras afetam o desenvolvimento econômico, não só por desacelerar o acúmulo de capital, mas também por afetar a alocação de capital entre as firmas”, dizem os autores.
A oferta de vagas, porém, foi maior para trabalhadores qualificados. Após a reforma, aumentou também o rendimento desses profissionais. “A relação entre mercado de trabalho e oferta de crédito já era conhecida, mas esse estudo trouxe uma relação de causa e efeito”, diz o professor de finanças da FGV, Rafael Schiozer.
“A causalidade é uma questão importante do artigo, porque as variáveis econômicas são muito endógenas, muito correlacionadas, é difícil dizer que uma coisa puxou a outra”, afirma a economista Luciana Machado, professora da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras).
Com isso, os especialistas conseguem fazer um paralelo com o cenário após a pandemia. Mesmo em linhas de crédito sem subsídio do governo, as empresas tomaram mais crédito do que no mesmo período do ano passado. Dados semanais de crédito livre do BC mostram que as empresas tomaram 16,5% a mais em empréstimos na pandemia, na comparação com o mesmo período de 2019.
Nesses dados, o BC exclui as linhas subsidiadas pelo governo, cartão de crédito e cheque especial da conta. Assim, são contabilizados financiamentos de capital de giro, desconto de recebíveis e de importação e exportação, por exemplo.
As concessões totais de crédito para empresas alcançaram R$ 223 bilhões em março deste ano, no início da crise, quando grandes empresas pegaram linhas pré-aprovadas para fazer caixa. Em abril, o volume de empréstimos ficou em R$ 155 bilhões, acima dos R$ 139 bilhões do mesmo mês de 2019. Em maio, caiu para R$ 142 bilhões.
Diante do arrefecimento em novas concessões, notadamente para micro, pequenas e médias empresas, o BC anunciou em junho novas medidas, focadas em direcionamentos que beneficiem tais segmentos.
Nos meses seguintes, as concessões ficaram acima de R$ 150 bilhões. Grande parte desse impulso veio de medidas da autoridade monetária para aumentar a liquidez no sistema financeiro e das linhas criadas com recursos da União para que o crédito chegasse a quem teve que paralisar as atividades na crise. Ainda assim, demanda por empréstimos é alta e muitos empreendimentos ficaram sem crédito.
Em meio à crise, o desemprego cresceu 2,6 pontos percentuais de janeiro a julho, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e chegou a 13,8%. Para Luciana Machado, sem os programas de crédito do governo, o desemprego estaria em patamar mais elevado.
“Em crises temos muita incerteza, o que representa risco para as instituições financeiras e elas tendem a restringir a oferta de crédito. É justamente nesse momento também que as empresas precisam de mais crédito para conseguir sustentar suas operações, especialmente as pequenas”, diz a especialista em finanças.
A avaliação é que, quando os incentivos do governo chegarem ao fim, caso haja contração no crédito, o mercado de trabalho será impactado. “Outro artigo, americano, mostrou que as restrições de crédito para as pequenas empresas foram um dos fatores determinantes na dinâmica de desemprego durante a recessão de 2007/2009 nos Estados Unidos. E as menores foram as mais afetadas”, diz Machado.
“Os bancos terão de separar o joio do trigo para ver quais empresas já iam fechar, mesmo sem os efeitos da pandemia, e quais estão sofrendo por causa da crise. Se os bancos acertarem nisso, poderá ser determinante para as companhias”, afirma Schiozer.
Para o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, a crise e uma possível escassez de crédito podem impactar não só os postos de trabalho, mas também a renda do assalariado.
“Já observamos que a renda do trabalho caiu 20% com a pandemia, e a camada mais pobre perdeu mais”, diz ele, que, ainda assim, concorda que os bancos terão de filtrar a liberação de recursos no pós-pandemia. “Crédito pouco eficiente gera inadimplência”.