Houve um tempo em que saber apostar em times amazonenses foi decisivo para um brasileiro ficar rico da noite para o dia.
Era a época da Loteria Esportiva quando o apostador tinha a chance de ganhar o vultoso prêmio ao acertar os resultados de 13 jogos selecionados pela agência Sport Press, contratada pela Caixa. Várias vezes, confrontos entre clubes amazonenses eram escolhidos.
Caso acreditasse que o vencedor seria o time com o mando de campo, o apostador assinalava a coluna 1. Se o prognóstico fosse para a vitória do time visitante, marcava-se a coluna 2. A coluna do meio era para aposta no empate. As chances matemáticas para acertar os 13 pontos foram calculadas em 1 para 1.594.323. Para o brasileiro, entretanto, a atração da loteria esportiva não era apenas por ser uma forma de ser alcançado pela sorte. Também era uma maneira dele provar ser um expert do esporte mais popular ao ponto de ficar rico.
Em maio de 1972, no teste 85, surgiu o primeiro brasileiro que poderia se gabar de ter ficado milionário graças também aos seus conhecimentos de futebol: Eduardo Varela, do então Estado da Guanabara. Dudu da Loteca (como ficou sendo depois seu apelido) aproveitou uma ‘brecha’ da sorte para levar um total de mais de 11,6 milhões de cruzeiros (R$ 45,6 milhões em valores corrigidos pelo IGP-DI) por ser o único apostador que cravou os 13 pontos do concurso. Para isso, o carioca acreditou que o Corinthians seria derrotado, no Pacaembu, pelo Juventus, que vinha de cinco derrotas nas cinco primeiras rodadas do Campeonato Paulista. Naquela edição, quase 100% dos apostadores confiaram no triunfo do Corinthians. Graças ao gol de falta do meia Brecha, porém, o Juventus venceu pelo placar mínimo.
Além das citações em filmes, contos ou a criação de peças de teatro em que a trama girava em torno do sonho de ganhar na ‘Loteca’, uma prova da febre das apostas em jogos de futebol foi a criação, em 1972, da ‘Zebrinha do Fantástico’. A invenção da personagem foi do caricaturista e diretor de televisão Borjalo (pseudônimo de Mauro Borja Lopes), que identificou uma boa oportunidade de alavancar a audiência da programação da Rede Globo, criando uma figura carismática para informar os resultados dos testes semanais da Loteria Esportiva.
Assim, Borjalo desenhou uma zebra em papel-cartão com olhos e boca móveis, para dar a impressão de que ‘falava’. O animal africano foi escolhido porque, na gíria do futebol, ‘zebra’ é a denominação dada a um resultado inesperado e inacreditável. Isso porque não existe zebra no Jogo do Bicho. Portanto, algo ‘impossível’ de ocorrer. A atriz Maralisi Tartarini marcou época ao dublar a personagem e repetir bordões como “Olha eu aí! Zêêêbra!”.
A necessidade de lembrar essas coisas é porque a loteria esportiva brasileira não manteve a importância cultural que possuía antes. A perda do fascínio da Loteca se deveu ao trabalho de jornalistas como o recém-falecido Marcelo Rezende (12 de novembro de 1951 — 16 de setembro de 2017). As reportagens publicadas na revista ‘Placar’, desde outubro de 1982, demonstraram a existência de uma ‘máfia’ que manipulava resultados para beneficiar alguns apostadores e envolvia jogadores, técnicos e dirigentes.
No caso específico de Marcelo Rezende, em 1985, uma das revelações foi que cartolas das federações se apossavam de verbas da loteria, que deveriam ir para os clubes. No texto sobre a Federação Amazonense de Futebol (FAF), Rezende relatou que o presidente da época, Joacy Medeiros Alves, ganhou 3,430 milhões de cruzeiros (cerca de R$ 15 mil em valores corrigidos pelo IGP-DI) alugando seu carro particular para a federação que comandava. Contou também que dirigentes e jornalistas recebiam mensalidades da FAF de até 690 mil cruzeiros (quase R$ 3 mil) e que sete jogos do Estadual de 1984 não foram realizados por falta de campos e até de bolas. Revelou ainda que crianças foram chamadas para ser ‘bandeirinhas’ em dois jogos do Campeonato Infantil e outro na final do Juvenil, o que deu confusão porque elas se distraíam agindo como torcedores comuns.
Por causa de matérias tipo essa, jornalistas como Marcelo Rezende foram muito xingados. Certamente não pelo que era um dos piores insultos na época de influência da loteria esportiva: “coluna do meio”. O sentido principal era caracterizar alguém ou uma atitude como vacilante, hesitante ou indecisa quando uma ação deveria ser adotada ou uma escolha deveria ser feita. Exemplos: “Deixa de ser coluna do meio e vai falar com a menina!” ou “Vai participar da greve ou vai ser coluna do meio?”
A ideia da conotação negativa de ‘coluna do meio’ é porque há confrontos nos quais a neutralidade não é aceitável. Nas disputas que opõem ‘favoritos’ e ‘azarões’; poderosos versus desafiantes é necessário a tomada de uma posição. Agora, saber discernir que luta merece engajamento e que lado deve ser escolhido não é questão de sorte.
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