A Amazônia, palco de muitas cobiças e disputas desde a chegada dos europeus, atraiu para si muitos olhares, inclusive os dos operadores da ciência. Diversos cientistas passaram por aqui. O primeiro deles, vindo de Quito em 1743, Charles Marie de La Condamine, repetiu praticamente o percurso realizado pelo espanhol Francisco Orellana e fez estudos sobre os povos nativos, a fauna e a flora amazônica. Registrou também o uso da seringa entre os índios nativos da Amazônia. Depois dele vieram outros.
O baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, formado em Coimbra no curso jurídico e no de filosofia natural, comandou uma expedição científica à região, que partiu de Portugal em 1783 e perdurou até 1792. Decaídas as rendas da metrópole na colônia brasileira, em razão do exaurimento das jazidas de ouro, sobretudo em Minas Gerais, a coroa portuguesa voltou-se para conhecer melhor o Centro-Norte da colônia.
Alexandre Rodrigues chegou ao Pará no ano inicial da expedição, 1783, e, no Amazonas, permaneceu entre os anos de 1784 a 1788, tendo coletado abundante material sobre a Amazônia e seus povos nativos para compor o Real Museu da Lisboa. Descreveu elementos naturais, aspectos culturais e avaliou a situação urbana, demográfica e econômica por onde passou. Fez ainda observações filosóficas e políticas.
Parcela do expressivo material reunido por Alexandre acabou sendo tomado pelas tropas de Napoleão, quando da invasão de Portugal pela França. Grande parte do trabalho do naturalista francês Geofrey Saint-Hilaire deve-se à usurpação do acervo original de Alexandre Rodrigues Ferreira.
Atualmente, parte do material etnográfico da expedição de Alexandre Ferreira encontra-se no Museu de Antropologia da Universidade de Coimbra. Em 1997, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas e outras instituições, realizou-se, em Manaus, uma exposição sobre esse acervo, intitulada Memórias da Amazônia.
Entre 1790 e 1900, outros cientistas continuaram a vir. Foi o caso de Charles Waterton, que chegou ao alto Rio Branco, e Johann Natterer que conviveu com índios do alto rio Negro. Os alemães von Spix e von Martius viajaram pelo Solimões, inclusive tendo feito registro sobre os últimos membros da tribo manau. O conde, fotógrafo e etnógrafo italiano Ermanno Stradelli realizou expedições à Amazônia, tendo recolhido relatos de mitos de povos indígenas, a exemplo do uananas. O francês Francis Louis Laporte conheceu as guianas inglesa, francesa e holandesa. O norte-americano William Edwards descreveu índios aculturados no rio Solimões. Os ingleses Alfred Russel Wallace e Henry Walter Bates percorreram o Amazonas até Manaus, de onde seguiram em direções contrárias. O suíço Jean Louis R. Agassiz, acompanhado da esposa, Elisabeth Cary, percorreu a bacia amazônica, dedicando-se à ictiologia e a classificação de espécies, e outras coisas. Da expedição do médico e geógrafo americano, Alexander Hamilton Rice Jr., resultou significativo material para estudo da região, além de registro de imagens por meio de fotografia e de filme. O alemão Fredrich Wilhelm H. Alexander, barão von Humbolt, ao percorrer parte do conjunto de florestal da planície nomeou-a de Hiléia Amazônica.
Esses e outros cientistas, viajantes e exploradores, em diferentes épocas, percorreram a região, navegando seus rios e adentrando suas florestas, descrevendo aspectos e elementos de sua paisagem natural e sociocultural.
Desde o contato dos europeus com o “novo mundo”, a Amazônia recebeu e continua a receber assiduamente a presença de estrangeiros e nacionais interessados em conhecer, pesquisar e explorar a região.
Muitos vieram, muitos cientistas continuam a vir a Amazônia. Cada qual com distintos propósitos de investigação. Alguns contribuem relevantemente para desenvolver estudos e o conhecimento sobre a região amazônica e seus povos. Outros nem sempre estão dispostos a medir as consequências de suas intervenções científicas na busca pelo patrimônio genético, saberes e conhecimentos tradicionais amazônicos. Determinados procedimentos e ingerências científicas resultam por vezes na instrumentalização da ciência pela logospirataria ou na adesão da mesma ao modelo do fazer científico logospirata, que impacta nocivamente o território, a biodiversidade e a diversidade sociocultural amazônica.
Uma das formas atuais de manifestação desse processo logospirata dá-se via apropriação privada de patrimônio genético e conhecimentos tradicionais por intermédio do registro de patentes. Muitas plantas e substâncias, extraídas de animais ou de vegetais do acervo genético das florestas tropicais da Amazônia, converteram-se em produtos, altamente demandados e lucrativos no mercado internacional, protegidos pelo sistema de propriedade intelectual em vigor por meio do registro de patentes, sem observar as regras do direito de acesso ao patrimônio genético nem resguardar os direitos de compensação dos povos provedores de conhecimento tradicional. É expressivo o número de patentes sobre produtos de plantas e substâncias oriundas da Amazônia, conforme os dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em nome de laboratórios, empresas e instituições de outros países. Se ainda não fomos eficazes para obter sustentável proveito da biodiversidade amazônica, existem aqueles que não hesitam nem se importam com as consequências para obtê-lo, custe o que custar, inclusive empregando o instrumental da ciência.
Patentes sobre produtos das plantas amazônicas requeridas em diversos países desenvolvidos:
Produto | Número de Patentes | Países |
Castanha-do-Pará | 72 | USA |
Andiroba | 2 | França, Japão, EU, USA |
Ayahuasca | 1 | USA (1999-2001) |
Copaíba | 3 | França, USA, WIPO |
Cunaniol | 2 | EU, USA |
Cupuaçu | 6 | Japão, Inglaterra, EU |
Curare | 9 | Inglaterra, USA |
Espinheira Santa | 2 | Japão, EU |
Jaborandi | 20 | Inglaterra, USA, Canadá, Irlanda, WIPO, Itália, Bulgária, Rússia, Coréia do Sul |
Amapá-doce | 3 | Japão |
Piquiá | 1 | Japão |
Jambu | 4 | USA, Inglaterra, Japão, EU |
Sangue de dragão | 7 | USA, WIPO |
Tipir | 3 | Inglaterra |
Unha de gato | 6 | USA, Polônia |
Vacina de sapo | 10 | WIPO, USA, EU, Japão |
Fonte: Nota World Intellectual Property Organization (WIPO)
Há, portanto, uma variada gama de agentes, interesses, concepções e práticas de investigação, de intervenção e de exploração operadas por cientistas na Amazônia. Todos eles com aval da ciência para usufruir dos atributos da bio e da sociodiversidade amazônica, mas muito frequentemente sem prevenir seus nocivos impactos e consequências sobre o meio ambiente e as populações da floresta. O aproveitamento sustentável da biodiversidade amazônica pelas vias e recursos da ciência, nos diversos setores da atividade econômica, ainda constitui significativo desafio ao desenvolvimento regional, imprescindível para reduzir o grau de dependência do modelo Zona Franca.
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