Nesta semana dedicada às mulheres, um fato novo vem mobilizando mundo afora os milhares de grupos vinculados aos direitos das mulheres nas mais diversas sociedades gritando contra o feminicídio e contra todo o tipo de violência que vitimam as mulheres em todo mundo embaladas pelo lema “Ni Una Menos” (nenhuma a menos traduzido para a língua português). “Ni Una Menos” é uma frase atribuída à poeta e ativista mexicana Susana Cháves Castillo, assassinada em 2011, na Ciudad Juarez, por denunciar crimes contra as mulheres.
Dentre os milhares de fatos que vitimam mulheres todos os dias no mundo inteiro, dois casos passaram a mobilizar o levante internacional “Ni Una Menos” que vem mobilizando incessantemente mulheres de todas as classes sociais e de todas as sociedades. O primeiro caso refere-se ao covarde assassinato da adolescente Chiara Páez, de 14 anos, em maio de 2015 na cidade de Rufino, província de Santa Fé na Argentina. Chiara, estava grávida de quatro meses do namorado Manuel Mansilla, de 16 anos, que com ajuda de seus pais dopou a adolescente com medicamentos abortivos e a enterrou viva no quintal da sua casa. O corpo foi encontrado pela polícia três dias após o seu desaparecimento. O crime chocou a população argentina que saiu às ruas para protestar contra a violência praticada contra as mulheres de todas as idades.
O segundo caso também ocorrido na Argentina, trata-se do brutal assassinato da adolescente Lucía Pérez, de 16 anos, que foi drogada, estuprada e morta por empalamento no balneário de Mar del Plata nas proximidades de Buenos Aires, no dia 15 de outubro de 2016. A promotora encarregada do caso suspeita que ela tenha sido vítima de uma gangue de traficantes e revela que “nunca havia visto um crime tão brutal” em toda sua vida profissional. Os exames confirmaram que a adolescente fora empalada viva e morrera várias horas depois por hemorragia e dores incalculáveis causadas pelos ferimentos de uma estaca que a atravessou da vagina à boca, perfurando todo seu interior.
Esses dois crimes brutais delineiam de maneira bastante objetiva o que os movimentos sociais, especialmente de mulheres, denominam de feminicídio que consiste no ato de matar covardemente a outrem pelo simples fato de ser mulher. No feminicídio, não basta tirar a vida da mulher. Tirasse-lhe a vida e a dignidade imputando à morte as mais perversas formas de violação ao corpo da mulher. O feminicídio está intimamente relacionado às relações de poder e dominação e expressa a afirmação estrita de posse, igualando a mulher a um objeto.
A partir deste último fato, profundamente abaladas, as mulheres da Argentina lançaram a Campanha “Ni Una Menos” que em pouco tempo atingiu toda América Latina, e em menos de um mês, movimentos de mulheres do mundo inteiro têm aderido à campanha. É justo mencionar que diversos movimentos de homens, tais como a Campanha Internacional do Laço Branco (White Ribbon Campaign): homens pelo fim da violência contra a mulher, movimento nascido no Canadá em 1989 e que rapidamente se espalhou por diversos países, inclusive o Brasil, também aderiram à campanha internacional. Aliás, tem crescido muito a participação dos homens nos movimentos de mulheres pela igualdade de direitos e pelo fim da violência.
A Organização Mundial da Saúde – OMS, informa que o Brasil apresenta a quinta maior taxa de feminicídio no mundo, com 4,8 para 100 mil mulheres assassinadas essencialmente por sua condição de gênero. Também de acordo com a OMS, com base em estudos realizados entre 2011 e 2015, que compila informações de 133 países, uma em cada cinco mulheres com menos de 18 anos no mundo já foi vítima de estupro ou abuso sexual. Isso sem considerar os casos subnotificados que no Brasil, segundo a OMS, podem representar 90% das mulheres estupradas que não denunciam seu agressor por vergonha, constrangimento, fragilidade emocional e financeira, além de medo de retaliações. A subnotificação da violência sexual tem consequências graves, dentre elas o suicídio de mulheres que sofreram abusos, físicos e psicológicos, causados pela misoginia e pelo machismo.
Simultaneamente à Campanha “Ni Una Menos”, no início de 2017, de maneira especial a partir da eleição do novo presidente dos Estados Unidos Donald Trump, os movimentos de mulheres lançaram um “Chamado Internacional de Greve Geral de Mulheres para o dia 08 de março de 2017”. Trata-se de uma convocação internacional de paralização do trabalho das mulheres. Uma colossal greve geral que pretende revelar a importância do trabalho das mulheres para a sociedade, de maneira especial das trabalhadoras migrantes profundamente hostilizadas no início do governo Trump. Mulheres e homens de mais de 30 países já acenaram que vão responder positivamente ao chamado.
Na pauta do “Chamado Internacional de Greve Geral de Mulheres para o dia 08 de março” encontra-se a mobilização das mulheres e de todos os que apoiam o movimento; greve geral de todas as trabalhadoras e daqueles que desejarem demonstrar seu apoio e solidariedade à causa; participação em marchas e outras formas de manifestação popular; denúncia de políticos e políticas sexistas, misóginas e machistas; e a luta contra o feminicídio. No Brasil, a pauta mais defendida tem sido a luta contra a reforma da Previdência que afetará diretamente os direitos das mulheres.
Essa conjuntura local, nacional e internacional que evidencia a luta das mulheres por mais justiça e dignidade na sociedade, revela que o 08 de março não é dia de reverenciar a mulher que, em muitos casos, será em seguida humilhada e violentada pelos mesmos bajuladores. É um dia para recordar que as desigualdades de gênero representam prejuízos incalculáveis em todas as sociedades que arcam com enormes custos sociais, econômicos, políticos e culturais por permitir o desrespeito e a violência exercida contra as mulheres. É um dia para lembrar que homens e mulheres somos diferentes em condições biológicas e anatômicas, porém, somos todos e todas iguais em condição de humanidade. Por isso, não faz sentido desmerecer uma das partes pelo simples fato de ser mulher.
O 08 de março é um dia para celebrar com Milton Nascimento e Fernando Brant (compositores) que “é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre. Quem traz no corpo a marca Maria, Maria, mistura a dor e a alegria. Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre. Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida”.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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