Da Redação, com Ascom IDSM
MANAUS – O complexo arqueológico da Ponta da Castanha, na Floresta Nacional de Tefé (Flona), no Amazonas, pode conter pistas sobre a relação entre as populações humanas que existiram na região há milhares de anos e a paisagem local. Isso porque a área abriga um vasto castanhal que não segue o que seria o padrão natural de dispersão dessa espécie. As castanheiras, associadas a outras espécies indicativas do manejo humano, cobrem quilômetros ao longo da beira do rio, mas não vão além dos 500 metros em direção à floresta. A Flona é uma unidade de conservação federal sob gestão do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade).
O castanhal é estudado pela pesquisadora Mariana Cassiano, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Mariana Cassino. “A minha pesquisa é um diálogo entre arqueologia e botânica que procura entender essa história de longa duração de domesticação e de transformação da paisagem da Amazônia por povos pré-coloniais até os dias de hoje”, disse Mariana, doutoranda do Inpa (Instituto de Pesquisas da Amazônia).
Além das castanheiras, outras espécies vegetais indicativas do manejo humano foram encontradas como o cacau, o açaí e o cupuaçu. “Entendendo como as pessoas hoje manejam a floresta, vamos buscar entender como as pessoas do passado também manejavam a floresta”, disse Cassiano.
Coordenado por Mariana e Rafael Lopes, o trabalho envolveu mais de 40 pessoas do Inpa, da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), da USP (Universidade de São Paulo), da UFS (Universidade Federal de Sergipe) e da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará).
A pesquisa
Além da grande quantidade de material cerâmico encontrado no sítio, foram coletados vestígios de plantas carbonizadas, fundamentais para a pesquisa de Mariana. “A gente consegue identificar essas plantas carbonizadas e entender um pouco quais eram as plantas que estavam sendo consumidas, e, de acordo com o que a gente encontra, ter pistas de como essas plantas eram manejadas”, revela a pesquisadora. “Muitas espécies frutíferas da floresta eram consumidas, como a castanha, o cacau, além de outras várias espécies de palmeiras”.
Segundo ela, essas pessoas cultivavam muitas espécies herbáceas: tanto as espécies que foram domesticadas aqui na Amazônia, como a mandioca, quanto espécies que foram domesticadas em outras partes das Américas, como o milho, a abóbora, e que foram trazidas por essas redes de trocas que existiam entre as populações aqui no passado.
Esses vestígios botânicos são importantes também para que se compreenda como as redes de troca aconteciam na Amazônia no passado. “A gente sabe, a partir deles, que essas redes eram muito grandes, muito complexas. Há pelo menos 10 mil anos essas plantas já estavam sendo trocadas pelas pessoas aqui no que a gente chama hoje de América”.
Acredita-se que muitas das espécies cultivadas hoje na Amazônia sejam resultado dessa antiga rede de trocas. “É uma história de longa duração que vai formando essas florestas enriquecidas com espécies úteis e com diferentes funções ecológicas, mas que são bastante ricas e diversas”, disse a pesquisadora.
Floresta enriquecida
Mariana afirma que o modelo de ocupação praticado por esses povos indígenas antigos na região enriquecia a floresta. “É um modelo que constrói florestas ricas, enriquece áreas, enriquece o solo, torna solos mais férteis, mais produtivos e esses solos também vão possibilitando a manutenção dessas florestas”, disse.
“O castanhal não é só um castanhal, ele está cheio de outras espécies frutíferas e medicinais ocorrendo junto. É uma floresta extremamente rica e diversa, sendo que muitas das espécies que ocorrem nessa área são utilizadas aqui hoje”, explica a pesquisadora. “Há também uma diversidade muito grande de solos: solos escuros, argilosos e arenosos. A gente ainda quer entender como as atividades humanas se relacionam com essa grande heterogeneidade de ambientes”, explica.