Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Ao aceitar denúncia contra três homens pelos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, nesta sexta-feira (22), o juiz Fabiano Verli, da Justiça Federal do Amazonas, afirmou que o caso é “trágico” e revela o grau de abandono da Amazônia, uma “região ainda muito preservada e de valor ecológico e etnográfico inestimáveis”.
Verli reconheceu que houve crueldade no assassinato, mas protestou pelo descaso da sociedade, não só do Estado, com as “as aspirações legítimas de índios e não índios”. Ele disse que “tudo está abandonado em diversas áreas” e questionou “quantos anônimos já não morreram nesse fluxo incessante de negação a respeito das peculiaridades dessa terra especial que é a Amazônia”.
O magistrado fez uma reflexão sobre o conflito entre o direito de povos indígenas e o direito de ribeirinhos à exploração dos recursos naturais para sustento, inclusive os comparando a cariocas e pernambucanos. E declarou: “Pensamentos extremistas e simplistas, de qualquer lado que venham, não ajudam em nada”.
De acordo com o juiz, a Amazônia tem “seres humanos, que têm o direito de perseguir sucesso material, sustentável, comer bem, vestir-se e buscar a felicidade”, mas também tem “seres humanos que igualmente têm o direito de serem deixados em paz com seus hábitos, sonhos e costumes nas suas terras, se assim quiserem permanecer”. “Aqui temos um conflito”, disse.
Verli aceitou a denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra Amarildo da Costa Oliveira (conhecido pelo “Pelado”), Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”) e Jefferson da Silva Lima (“Pelado da Dinha”) por duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver pelos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, ocorrido no dia 5 de junho deste ano.
Na decisão assinada nesta sexta-feira, Verli disse que Bruno e Dom não eram representantes de empreendimentos lucrativos ou de interesses econômicos diretos, específicos. Sobre o indigenista, o juiz afirmou que, mesmo licenciado, trabalhava como consultor em assuntos indigenistas, e exercia atividade perigosa.
“Nunca se afastou disso e era visto, talvez mais ainda, como encarnação do Poder Público na sua face voltada para o gerenciamento da convivência entre índios e o resto da comunidade nacional – objeto da Funai. No mínimo, um ativista de causas coletivas. Ativista é aquele que age. E agir é perigoso. Vários exemplos trágicos no Brasil mostram isso”, disse Verli.
Sobre o britânico Dom Phillips, o magistrado afirmou que “era um jornalista, tudo mostra, fato notório, engajado”. “Tinha uma causa. Concorde-se ou não com sua causa, ele a tinha e estava em pleno exercício da perigosa função do jornalista investigativo, documentarista e similares”, afirmou Verli.
Ao aceitar a denúncia contra os três implicados que já estavam presos, Verli considerou as duas confissões “críveis” apresentadas pelo MPF, as fotos e os “restos mortais que só foram encontrados pelas indicações de acusados”. Também considerou os “testemunhos precisos, laudos, tudo confluindo para uma probabilidade alta de autoria pelos acusados”.
Veja trecho da reflexão de Fabiano Verli:
“A Amazônia da terra branca, fraca. Da gigantesca planície alagadiça, dos igapós, dos furos e dos igarapés congelantes não é Minas, não é Santa Catarina, não é Piauí. Amazônia tem suas forças e fragilidades naturais, mas tem também seres humanos, que têm o direito de perseguir sucesso material, sustentável, comer bem, vestir-se e buscar a felicidade. Igual a um carioca. Igual a um pernambucano. E seres humanos que igualmente têm o direito de serem deixados em paz com seus hábitos, sonhos e costumes nas suas terras, se assim quiserem permanecer. Sim, aqui temos um conflito. Conflito dentre muitos; e que andam de rédeas soltas.”