Está no prelo da editora Scienza, com previsão de lançamento no próximo mês de março, a mais recente obra da escritora Sylvia Aranha de Oliveira Ribeiro. Cartas da Amazônia é uma coletânea de cartas escritas no decorrer de três décadas, entre 1978 e 2009, trocadas com familiares e amigos no sudeste do Brasil, descobertas recentemente, guardadas na casa de uma de suas irmãs, falecida em São Paulo.
A escritora, membro da Academia Itacoatiarense de Letras possui diversos livros publicados. A maioria sobre a Amazônia, com destaque para ‘Francisca’ e a utopia da liberdade, publicado em 2012 pela Editora Valer e escolhido pela Secretaria de Estado de Educação do Amazonas como obra literária distribuída para todas as bibliotecas das escolas estaduais.
Cartas da Amazônia vem coroar a obra literária de Sylvia Ribeiro e representa um verdadeiro legado à história da Amazônia nesta imensa região do Médio Rio Amazonas. Uma história que começa em 1977 quando a jovem professora chega à Amazônia carregada de expectativas, sonhos e muita disposição para trabalhar na Prelazia de Itacoatiara e contribuir com a educação popular e com a formação de lideranças pastorais.
As cartas começam em 1978 e representam, parafraseando a própria escritora, não só grande parte da história da sua vida, mas fatos cuja memória considera importantes para a história da Prelazia e quem sabe do Amazonas. De fato, as Cartas da Amazônia são fontes de releitura histórica e podem ser divididas em quatro fases importantes.
Na primeira fase, as cartas revelam a chegada de uma forasteira que se deixa encantar pelas belezas da região. Os rios e a imensidão de suas águas aparecem continuamente nas notícias que vão para o sudeste do Brasil. O encantamento é uma dimensão importante da cultura amazônica. Dizem os mais antigos que só se conhece profundamente a Amazônia quem se deixa encantar por suas belezas, pela história de seu povo e pela maneira simples de se viver nessa região.
O encantamento pela criação como obra da natureza e dos “seres encantados” que protegem as águas, as florestes, as cidades e toda sua gente. É possível recolher das primeiras cartas verdadeiras aulas de geografia, botânica, antropologia e sociologia. A experiência da solidão, da contemplação e do estranhamento se fazem muito presentes nesta primeira etapa das cartas. Mas, a escritora recorre à descontração para fazer rir e divertir seus interlocutores. Nada escapa ao seu olhar atento e à sua descrição minuciosa, quase etnográfica.
Na segunda fase, já mais familiarizada com a região, Sylvia começa a prestar atenção aos pormenores da Amazônia desvendando seus segredos e dando-os a conhecer aos amigos de fora e aos familiares. Há muito da escritora em suas cartas que revelam um processo de identificação e opção pela Amazônia. Opção relativamente bem acolhida pela família e amigos, que, mesmo sem entender realmente o que a atrai tão profundamente, respeitam sua opção e se deixam também cativar pela Amazônia nas escritas de suas cartas que têm nesta fase, como finalidade, reportar um pouco do que se faz na Prelazia de Itacoatiara.
É interessante como ela transita por todos os municípios da região, incluindo Manaus e descreve cada um deles com uma desenvoltura impressionante. São cartas curtas e diretas com objetivo claro de compartilhar a experiência com gente de sua confiança, talvez esperando de volta orientações ou tão somente acolhida das suas angústias e algumas dicas de como lidar com os desafios.
Na terceira fase, identificamos cartas de cunho mais político. A escritora começa a se posicionar no cenário amazônico. Define metas e traça estratégias de trabalho junto aos povos ribeirinhos que, nas suas palavras, “continuam vindo para as cidades”. Algo está errado. O que tem provocado tanta migração? Sylvia continua lendo e estudando a região para seu próprio conhecimento e para informar aos novos agentes pastorais que chegam à Prelazia de Itacoatiara. O seu trabalho na formação das lideranças vai se desenhando também no cenário político nacional com reflexos locais.
A quarta fase das cartas revela uma mulher madura, consciente de sua missão na Amazônia, envolvida com os problemas locais e com a transformação da realidade. A morte de Dom Jorge em 02 de julho de 1998, e sua repercussão nos novos rumos da Prelazia de Itacoatiara, marca profundamente a vida de Sylvia Aranha
As cartas reportam aos amigos e familiares o surgimento da Associação Dom Jorge Marskell como uma forma de dar continuidade ao trabalho e missão do bispo e amigo falecido em 1998, mantendo viva sua história e seus ideais ainda muito presentes na instituição que continua desenvolvendo um trabalho social de grande relevância em Itacoatiara.
Em tempos de comunicação instantânea nas redes sociais, com as cartas quase em desuso, esta coletânea tem um valor inestimável e representa um marco importante na extensa obra de Sylvia Ribeiro, uma riqueza para a literatura, digna de respeito e admiração pela coragem desta autora ao publicar cartas que revelam intimidades e afetividades recíprocas, traços da personalidade, sonhos e desejos, frustrações e euforias. Elementos subjetivos que, de modo geral procura-se esconder a todo custo.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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