Quem abre a boca para dizer que os políticos de Brasília não os representa quer, na verdade, apenas fugir do problema em que a sociedade brasileira se meteu ao longo da história. Os políticos de Brasília, dos Estados e dos municípios são a cara da sociedade brasileira.
Primeiro, é bom que se diga, nenhum chegou lá ou aqui sem o voto popular. Segundo, eles são escolhidos não pelo que realmente defendem, mas por aquilo que deram ou que prometem dar ao eleitor, em benefício pessoal, não coletivo. Terceiro, não houve melhora significativa na composição do Legislativo e nem das escolhas do Poder Executivo ao longo dos últimos 30 anos, desde a abertura democrática, ao contrário, só piorou.
Mas por que os políticos refletem no espelho a sociedade que os elege? É elementar. Nenhum deles vêm de outro planeta. São terráqueos que passaram por todo o processo educacional e cultural brasileiro (alguns com estudos fora do País, mas educado aos moldes da república de bananas). É do meio do povo que se pescam os representantes do povo. Não se tratam de alienígenas, mas de gente do povo, o mesmo povo que agora, no ápice da decadência política, tenta tirar o corpo fora.
Ora, há muito tempo que o comportamento desse povo representado, na política, chama a atenção do mundo. Uma cena que choca a todos, mas que é comum no Brasil, é a de carga saqueada nas estradas brasileiras quando ocorre um acidente com caminhão. Sem se importar com as pessoas feridas no acidente, centenas de pessoas aproveitam a oportunidade para roubar a mercadoria, como se fosse a coisa mais natural.
Veja um dos vídeos disponíveis sobre o tema:
Mas não é só isso. Experimente deixar um objeto na rua, à mostra para quem passa, e veja quanto tempo ele fica antes de ser levado. No local de trabalho a coisa mais comum é sumir os objetos pessoais, furtados pelos colegas. Um parente que trabalha em uma fábrica do Polo Industrial de Manaus, recentemente, foi a um treinamento nos Estados Unidos e se surpreendeu com o fato de os trabalhadores da fábrica lá deixarem seus objetos nos balcões enquanto saíam para o almoço. Aqui, quando voltassem, não encontrariam mais, relatou ele, surpreso.
O brasileiro acha que furar fila no banco é esperteza. No trânsito, enquanto os motoristas educados e respeitadores dos direitos alheios enfrentam uma fila para converter à esquerda ou à direita, os espertos (e não são poucos) acham-se no direito de entrar na frente dos “trochas”. A maioria ri de pessoas honestas que não aceita ficar com o troco do vendedor que deu dinheiro a mais por engano. Preferem embolsar, como se fosse seu.
O brasileiro aceita e participa da corrupção em menor ou maior grau, como se fizesse diferença tirar pouco ou muito dos cofres públicos ou de terceiros. Dia desses, precisei fazer exames em um laboratório particular. Achei caro o preço cobrado, mas a atendente fez uma oferta tentadora: me incluiria em um plano de saúde e eu pagaria algo em torno de 65% do valor estipulado na tabela do laboratório. Certamente o dinheiro ficaria para ela, já que pediu discrição, alegando que o dono do estabelecimento estava próximo dela. O esforço da atendente foi em vão; paguei o preço de tabela e exigi a nota fiscal, que não teria se ela me incluísse em um plano de saúde.
Quem nos representa no Congresso Nacional, nas Assembleia Legislativas e nas Câmara Municipais são capazes de qualquer coisa para chegar ao poder; e chegam por meios pouco republicanos. São médicos que se elegem por prestar serviços à população carente não gratuitamente, mas bancado com dinheiro público, liberado por quem está no poder. Geralmente o governante é amigo do médico ou companheiro de partido. Não faltam denúncias de casos de compra de votos nesses consultórios-comitês eleitorais.
A Câmara dos Deputados, as Assembleia Legislativas e as Câmara Municipais há muito tempo têm bancadas evangélicas, formadas por pastores com pouca tradição política, mas muito afiados em fazer negociatas com o poder; não é novidade os conchavos feitos com candidatos a governador e prefeitos em troca dos votos do rebanho; alguns se destacam pela capacidade de tirar dinheiro de pessoas humildes em benefício próprio e de enriquecer com a religião.
Outras bancadas também se destacam, como a dos empresários, que, como todos sabem, tem pouca tradição de honrar suas dívidas com o fisco. Boa parte deles prefere se aliar ao poder para dele se locupletar. Isso explica as anistias recorrentes do Poder Executivo. No Amazonas não são poucas as empresas que furtam energia elétrica e ingressam na Justiça para adquirir o direito de não ter o fornecimento cortado. A maioria ganha esse direito pela caneta de um juiz ou desembargador amigo, como se a lei fosse seletiva e não para todos.
Outros que não são médicos, nem pastores, nem empresários, nem advogados, nem ruralistas ingressaram na política como assessor de político e aprenderam a “fazer política” na prática. Esses, muitas vezes, se destacam nos parlamentos pela capacidade de “articulação”, uma palavra que no Brasil é sinônimo de “malandragem”.
E a população, quando instada a opinar sobre o comportamento dessa gente que nos governa, tendem a dar a seguinte resposta: “É assim mesmo. Se eu tivesse oportunidade, também faria o mesmo”.
Não há saída para o Brasil senão por uma revolução cultural. Uma revolução que não se limita à educação formal, que muitos criticam, mas que também é a cara do país, porque também os professores fazem parte dessa ciranda que nos leva cada vez mais ao limbo. É necessária uma revolução capaz de nos educar para o respeito ao outro, para o comportamento ético e para a liberdade.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.