Em plena evolução do processo da dependência econômica, a ideia que melhor traduz a essência do atual momento vivido pelo Brasil é o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. As medidas adotadas por Temer passam longe da hipótese de passageiras, mesmo com um prazo pré-definido, pois suas consequências são estruturantes e ditadas por uma palavra de ordem: retrocesso.
O exemplo do congelamento dos gastos na educação – Temer quer revogar a Lei da Gravidade e a do Movimento – ilustra bem sua visão de mundo. E como se trata da formação de sujeitos, o investimento nessa área colherá seus estragos a longo prazo. Diante disso, um enrijecimento orçamentário comprometerá algumas décadas doravante por antecipação. Num sistema educacional historicamente emblemático por seu desempenho pífio, que esperar de mudanças? Depois de enfiar Ciência, Tecnologia e Inovação na caçapa, digo, na tramoia do Kassab, tudo há que se temer nas mexidas de Michel.
Em análise mais sensata, num país que nunca superou seu status de colônia, a educação jamais se prestou a ferramenta progressista de superação do atraso, paradigma nenhum, além das concessões de acesso ao mercado de trabalho (na perspectiva colônia, claro!). É bastante suspeito a afirmação de que a educação outrora já foi de boa qualidade por aqui. Se essa afirmação é procedente quer dizer que ela serviu a alguém, ou a um segmento social. Certamente ela está na raiz de uma classe média predominantemente conservadora, ignorante, preconceituosa e alienada.
Educação só se divorcia da doutrinação ideológica quando alimenta fortemente o pensamento crítico – aquele que procura nas potencialidades do real os caminhos de superação das contradições atuais. Um pensamento que se agrada em desconstruir as aparências da harmonia que não para em pé. Contraditoriamente é esse o discurso de projetos risíveis como o “Escola Sem Partido”, que visa “despolitizar” a educação conservando a ideologia dominante, bem ao agrado dos donos do poder, como se esse modo de vida operante e dominante não tivesse qualquer relação com política, esse instrumento ambíguo de construção do real e do enganosamente virtual.
A ala ignara da classe média se assemelha a um papagaio, repete o que ouve sem hesitar. Várias das medidas – nada progressistas – que foram adotadas pela ex-presidente Dilma são recolocadas agora pelo governo ilegítimo de Temer. Com uma diferença significativa: a ala ignorante da esquerda se calava quando a autora da proposta era petista, enquanto a direita raivosa guiada pela mídia corporativa discursava raivosamente. As propostas ainda continuam bem parecidas, o que se alterou foram os lados das reações, agora quem grita é a esquerda, enquanto os conservadores adotam o discurso conformista.
Em paralelo a essa batalha de cegos, quem se aproveita são os golpistas para agir, na harmonia dos pântanos, em nome do entreguismo, e retrocessos democráticos para garantir a paz do trabalho sujo. Temer congelou verbas da educação e anunciou cerca de 778 milhões para a compra de equipamentos de repressão. Isto é o governo Temer. Um juiz do Distrito Federal liberou a utilização de tortura sonora, e a restrição de circulação de alimentos nas mais de mil escolas ocupadas. E José Serra foi delatado, mais uma vez, na operação Lava Jato, mesmo tendo provas de seus delitos há, no mínimo, meia década. Perante todas essas situações, o ruído midiático é sibilino.
Há algumas maneiras de ser nacionalista. Pode-se ser como os nazistas, porém, num contexto periférico como o nosso, um conjunto de estratégias que visem o alcance da autonomia econômica-política do país se faz imprescindível. Todavia, o contrário se coloca, a política de Michel Temer é notoriamente antinacional e antipopular.
Nada se fala sobre a possibilidade de taxar as grandes fortunas e os grandes burgueses, nem se tem uma anistia da dívida pública. Não há especulação sobre a reorganização continental, reformas estruturais que busquem o desenvolvimento, nem se fala da crise estrutural que vive o sistema econômico.
Contudo, o velho Hegel mostra porque seu pensamento é nobre – o clássico se faz de tal modo ao eternizar sua utilidade, mesmo diante novas épocas. Em resposta a todas essas negativas, a dialética mostra seu valor: A conjuntura produz sua própria negação para que assim o tempo se movimente. Em termos práticos, toda essa desilusão política a que a população foi submetida nos últimos anos gerou um processo de descrença em relação a democracia representativa. Isto é, batemos recordes de desistência e votos brancos e nulos.
O homem da rua nunca precisou dominar a verdade para manifestá-la. Os grandes acontecimentos históricos não eram somente refratários a uma análise de seu tempo, eram também demandas secundárias ou até desconhecidas pelos agentes transformadores – num ilustre exemplo, a revolução francesa iniciou-se por protestos básicos como a falta de pão.
Isso mostra como a consciência humana está sempre de costas e agachada para o movimento da história. O chamado pensamento crítico precisa recuar e se repensar como agente de percepção da realidade e da equidade social. Décadas caóticas são inevitáveis.
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