MANAUS – Os que advogam contra a rodovia BR-319 sempre recorrem a argumentos que falham em testes mais profundos. O principal deles é o potencial desmatamento. Ele existe mesmo sem o asfaltamento. Se houvesse realmente alguma preocupação com o desmatamento, teríamos que ter governança no entorno daquela estrada de terra e, ao contrário disto, não se constata nenhum esforço nesta direção. Falta Estado, faltam reservas, faltam cientistas, faltam fiscalizações, faltam proteções. Falta tudo. Temos ali a ausência institucional do Estado, tema tão caro aos vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2024.
As falas sobre falta de volume de tráfego só fazem sentido quando se usa uma base de crescimento irreal ou uma taxa de crescimento anual inapropriada ao contexto. De resto, só sobram vacuidades. No fundo a questão é política e, principalmente, para o que se quer a Amazônia e os que aqui vivemos. Para seguir a extrair tributos sem investimentos? Para uma reserva de um futuro que nunca chega? Para tirar fotos?
Ter um território tão gigante sem proveito, em meio aos potenciais existentes é um manancial sem fim de notícias falsas. É interessante como a ausência de política pública vira um elemento central para a construção dos ódios e desafetos políticos, basta olhar para o que se fala da ministra do Meio Ambiente nas redes sociais da Amazônia, mesmo sendo uma reconhecida e aclamada líder no assunto de sua pasta, nacionalmente e internacionalmente.
O que tem levado os habitantes de fora dos centros econômicos do país contra as políticas ambientais não é a política ambiental em si, mas simplesmente o fato de ela ser uma desculpa descarada para não fazer nada nas demais questões.
Além de um desrespeito ao humano, às lideranças locais e aos desejos locais, há um total desprezo sobre o que pensam os locais. Como se precisássemos alguém para pensar por nós, para tutelar e dizer o que é bom e o que não é bom. Só será bom se ficarmos quietos e cordatos, aceitando a inércia secular, com uma arrecadação continuada de impostos, sem investimentos ou contrapartidas. Imagine se fôssemos opinar sobre o que fazer na Serra do Mar ou no Rio Tietê.
Depois da elaboração de um documento dizendo sobre o que fazer para a recuperação da rodovia, ficamos agora rodando em círculos, mesmo que lá já tenha tudo que é necessário. Mesmo no “barro”, há filas de caminhões e ninguém fala ou enfrenta as pontes caídas ou a ausência de balsas para as travessias.
A ausência de um Estado Mínimo que faça a manutenção é o que mais irrita o cidadão da região. O que queremos para a infraestrutura da Amazônia? Os planos nacionais sequer consideram isso, por mais que a soja destinada à exportação esteja, em grande parte, sendo escoada pelo Norte e mesmo com toda a produção de motocicletas do país saindo de Manaus. Fica mais fácil atacar Manaus do que proteger e ampliar os empregos e impostos gerados.
E assim vamos “levando” a Amazônia: sem investimentos, destruindo, arrancando impostos e tirando fotos de preservacionistas. Haja paciência. O país é cortado por rodovias e a Amazônia precisa de cientistas, proteção, empregos, reservas, ciência, tecnologia, inovação, impostos, saúde, respeito e rodovias com proteção ambiental. Fora disso, seguiremos a testemunhar uma destruição lenta e disfarçada, envergonhada pela ausência de oportunidades.
É inacreditável como em alguns assuntos parecemos estar congelados num tempo que nunca passa. Esta rodovia representa a Amazônia em muitas de suas contradições.
Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.