Talita Fernandes, da Folhapress
BRASÍLIA-DF – Após a reação negativa da bancada evangélica sobre uma indicação para o Ministério da Educação, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), chamou de ‘fake news’ as notícias de que ele teria convidado para o cargo Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna.
Bolsonaro não descarta conversar com Mozart, mas diz estudar para o ministério o procurador Guilherme Schelb. “Eu vou conversar hoje (quinta-feira, 22) com o senhor Guilherme Schelb também. A gente conversa para tomar decisão lá na frente. É um ministério importantíssimo, como outros, e é ali que está o futuro do Brasil”, disse o presidente eleito.
Schelb é procurador regional da República no Distrito Federal e tem bandeiras comuns a Bolsonaro e à bancada evangélica, como a proibição de que escolas discutam temas como gênero e sexualidade. Ele é defensor do projeto Escola Sem Partido, o que defende publicamente nas redes sociais e mantém um site Infância e Família, no qual oferece cursos a distância. “Escola sem Partido é escola sem PT, PSOL, PCdoB. Escola sem Partido é escola com mais matemática, português, ciências”, escreveu em sequência de posts nas redes sociais, em 2016.
Bolsonaro foi questionado sobre se a defesa do projeto Escola Sem Partido não era, na verdade, defesa de substituição de ideologias.
“Pode mudar para escola com partido. O que diz o projeto: se a pessoa quiser usar o espaço cativo para dizer que o partido A é melhor do que o B, o aluno pode fazer o contraponto, dizer que o B é melhor do que o A, e não sofrer retaliação. É isso”, disse. “Se você está questionando se eu estou substituindo é porque hoje existe a esquerda aí. Nós queremos a verdade. A verdade não é o outro lado. A verdade é a verdade”, afirmou.
Bolsonaro voltou a defender ainda posicionamento contrário à educação sexual nas escolas. “Quem ensina sexo para a criança é o papai e a mamãe. Escola é lugar de aprender física, matemática, química. Fazer com que no futuro tenhamos um bom empregado, um bom patrão e um bom liberal. Esse é o objetivo da educação”.
Um dia antes, a bancada evangélica reagiu a notícias de que Mozart poderia assumir o Ministério. O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RS), por exemplo, disse que o educador desagrada o grupo e pediu uma conversa com Bolsonaro para discutir a escolha para a Educação. Bolsonaro insinuou que a divulgação de que o diretor do Instituto Ayrton Senna pudesse ser ministro foi feita para criar uma indisposição da bancada evangélica contra ele. “Talvez a intenção de empregar alguém como o senhor Mozart como ministro foi talvez tentar fazer com que a bancada evangélica se colocasse contra a minha pessoa. Nem foi cogitado o nome do senhor Mozart para ser ministro. Não procede isso. Então colocaram um tempo atrás na mídia uma artista aí, a Maitê Proença, como ministra. Não existe isso”.
O diretor disse em nota, na quarta-feira, que vem a Brasília nesta quinta para conversar com a equipe de Bolsonaro sobre Educação. “Eu converso com todo mundo, não sei se ele vai estar em Brasília hoje. Eu converso com ele sem problema nenhum. Já conversei no passado com a Viviane Senna, com outras pessoas”, disse o presidente eleito.
Mozart nega que tenha sido convidado e aceitado ser ministro, mas essa informação foi confirmada à reportagem de forma reservada por pessoas da equipe do futuro governo. Procurado pela reportagem, o Instituto Ayrton Senna informou que foi cancelada a reunião que havia sido marcada para esta quinta-feira entre Bolsonaro e Mozart. Os motivos da decisão não foram informados pela entidade.
Mozart é tido como moderado entre funcionários do ministério. Em nenhum momento, por exemplo, ele deu declarações a favor do projeto da Escola sem Partido ou contra discussões sobre gênero em sala de aula.
Os dois temas, em debate no Congresso Nacional contra o que seria uma doutrinação partidária por professores, serviram para alavancar o nome de Bolsonaro no cenário nacional bem antes de sua pré-candidatura presidencial.
Com apoio dos evangélicos, o presidente eleito foi um dos líderes de movimento contra a discussão de gênero nas escolas. No governo Dilma Rousseff, ele denunciou a entrega para alunos do que, segundo ele, seria um kit em que se ensina a ser homossexual, o ‘kit gay’, e de um livro sobre educação sexual para crianças. A campanha envolvendo esse tema serviu de motor político para Bolsonaro, como o próprio reconheceu.
Mozart chegou a ser sondado pelo presidente Michel Temer (MDB) para o mesmo cargo em 2016, mas, na época, recusou. Da mesma forma, declinou de um convite de João Doria (PSDB) para integrar o secretariado da Prefeitura de São Paulo.
Antes de assumir o cargo no instituto, Mozart foi presidente do Movimento Todos pela Educação e professor e reitor da Universidade Federal de Pernambuco. Ele também foi secretário de Educação do estado.
Em 2010, em entrevista à Folha de S.Paulo, ele disse ser necessário criar uma agenda para a educação que não seja de governo, mas de Estado. “Há uma clareza muito grande de que, após a redemocratização do país, após a economia ficar sólida, a terceira revolução que a gente tem de fazer é a da educação: é preciso envolver toda a sociedade nisso”, disse.
O desejo inicial do presidente eleito era ter à frente da pasta a presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, mas ela demonstrou resistência a assumir o posto. Na semana passada, em um encontro sigiloso, Viviane e Mozart se reuniram com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Após a reunião, Mozart negou à reportagem que tivesse havido sondagem para o cargo ministerial durante a reunião.
A indicação de Mozart representaria um ponto para a deputada eleita Joyce Hasselmann (PSL-SP), que apresentou Viviane a Bolsonaro. Ainda na campanha, Senna visitou Bolsonaro em sua casa, no Rio de Janeiro.
Desafios da educação
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – O documento que indica o que as escolas públicas e privadas devem ensinar da educação infantil ao ensino fundamental está em fase de implantação nos estados e municípios. Ainda falta a parte referente ao ensino médio.
Ensino médio – Considerado o maior gargalo da educação básica, com altas taxas de abandono e baixos indicadores de aprendizado. A reforma da etapa, proposta pelo governo Temer, só pode ser posta em prática após a aprovação da BNCC referente à etapa (ainda está em discussão no Conselho Nacional de Educação). Além disso, parte do conteúdo poderá ser oferecido a distância.
Educação infantil – Menos de um terço das crianças de até 3 anos estão em creches. A meta incluída no PNE (Plano Nacional de Educação) é matricular ao menos metade das crianças dessa faixa etária até 2024. Na pré-escola, todas as crianças de quatro e cinco anos deveriam estar matriculadas desde 2016. No entanto, mais de 500 mil não têm vaga (9,5% do total)
Escola sem Partido – O projeto, que limita a liberdade do professor na sala de aula e veta abordagens sobre temas de gênero e sexualidade, tramita no Congresso. Bolsonaro é favorável à proposta e descreve a suposta doutrinação política como um dos grandes problemas da educação. Segundo especialistas, essa visão coloca em jogo o modelo de escola que o país deveria adotar.
Fundeb – O fundo, uma das principais fontes de financiamento da educação básica no país, deixa de valer em 2020. Novas versões são discutidas no Congresso Nacional, e propõe-se, entre outras coisas, ampliar a contribuição financeira da União.