
EDITORIAL
MANAUS – Era visível o desconforto do presidente Jair Bolsonaro durante o pronunciamento à nação na noite desta terça-feira, 23. Não conseguiu disfarçar que não falava a verdade, e se esforçou para ler no teleprompter o texto produzido por assessores.
O pronunciamento ocorreu no dia em que o país superou 3 mil mortes em 24 horas, e um depois de ser pressionado por empresários de peso em reunião com a participação dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Bolsonaro tentou repetir um discurso que começou a ser pulverizado pela Secretaria de Comunicação do governo federal de que ele sempre foi a favor da compra de vacinas que fossem aprovadas pela Anvisa.
Em outubro de 2020, pressionado durante uma reunião com governadores, o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) afirmou ao governador João Doria (São Paulo) que a União compraria as vacinas Coronavac, produzidas pelo Instituto Butantan em parceria com a empresa chinesa Sinovac.
No dia seguinte, o presidente o desautorizou: “Não compraremos a vacina da China”, disse. No mesmo dia ele disse, em outra ocasião, referindo ao mesmo assunto: “O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”.
Pazuello meteu o rabinho entre as pernas e disse: “Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece. Mas a gente tem um carinho, entendeu? Dá para desenrolar, dá para desenrolar”.
No pronunciamento deste terça-feira, Bolsonaro se vangloriou de que o Brasil é o quinto país no mundo que mais vacinou, e arrematou: “Graças às ações que tomamos logo no início da pandemia.”
Bolsonaro fez piada com a vacinação contra a Covid-19, inclusive com a vacina da Pfizer, e chegou a sugerir que quem a tomasse poderia “virar jacaré”. Vociferou que não tomaria a vacina e queria uma lei que desobrigasse a população a se imunizar. Mas no pronunciamento, citou o acordo tardio com o laboratório para a compra de 100 milhões de doses do imunizante.
Fechando a fala sobre vacinas, o presidente afirmou: “Quero tranquilizar o povo brasileiro e afirmar que as vacinas estão garantidas”. E mais: “Estamos fazendo e vamos fazer de 2021 o ano da vacinação dos brasileiros.”
Bolsonaro também mudou o tom em relação às vítimas da Covid-19. Quando o Brasil atingiu o número de 10 mil mortos pelo novo coronavírus, o presidente disparou diante de pergunta de um repórter: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”
Agora, que o Brasil beira os 300 mil óbitos, ele afirma, no pronunciamento: “Solidarizo-me com todos aqueles que tiveram perdas em suas famílias. Que deus conforte seus corações”.
Bolsonaro fecha o pronunciamento com uma frase que nada tem a ver com as atitudes dele desde o início da pandemia: “Somos incansáveis na luta contra o coronavírus. Essa é a missão e vamos cumpri-la”.
O mundo inteiro está vendo e criticando a postura do governo federal e do presidente Bolsonaro.
Inclusive, mais cedo, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, negou um pedido do presidente para barrar as medidas de restrição do comércio e de circulação de pessoas adotadas por governadores para tentar conter a onda de contaminação e de mortes pela Covid-19.
Definitivamente, não era Bolsonaro falando no pronunciamento desta terça, mas um fantoche fabricado por aqueles que querem polir a imagem arranhada do presidente da República pelo desastre que é o governo dele na pandemia.