Por Vívian Oliveira, do ATUAL
MANAUS – A baixa cobertura vacinal pode ser efeito do radicalismo da extrema-direita bolsonarista, pela descrença na vacina e pela falta de investimento no SUS (Sistema Único de Saúde), avaliam especialistas em saúde ouvidos pelo ATUAL sobre a queda no índice de imunização em todo o país.
A poliomielite ou paralisia infantil, por exemplo, sem casos no Brasil há 32 anos, acendeu o alerta nos órgãos de saúde devido à baixa cobertura vacinal. Como consequência, é grande a possibilidade de recrudescimento do vírus.
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O Brasil, pelo histórico bem-sucedido de políticas públicas de vacinação em massa, passou a ser referência para o mundo quando o PNI (Programa Nacional de Imunizações), sancionado em 1975, foi integrado ao programa da OMS (Organização Mundial da Saúde), agência da ONU (Organização das Nações Unidas) que cuida de temas relacionados à saúde da população mundial. Sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, a realidade no país é outra.
“A descrença na importância da vacinação no Brasil foi fortemente influenciada pelo movimento bolsonarista, mas não é a única causa. Fatores sanitários, culturais, econômicos, sociais e de sucateamento do SUS também contribuíram para esse cenário”, explicou Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz Amazônia (Fundação Oswaldo Cruz).
Orellana acrescenta que esses fatores trazem riscos de adoecimento, incapacidades e até mesmo de mortes em todas as faixas etárias, especialmente em grupos mais vulneráveis como crianças e pessoas idosas.
Para Suzete Camurça Nobre, mestre em Sociologia pela UFAM (Universidade Federal do Amazonas), o governo Bolsonaro sempre atuou para descredibilizar o trabalho da ciência em relação à vacina, médicos, cientistas e infectologistas que enfatizavam a importância da imunização.
“A postura do presidente sobre a imunização representa grande risco às crianças e à campanha como um todo. Toda uma estrutura foi atingida e vai trazer consequências”, diz.
Os especialistas concordam que o não cumprimento da meta de cobertura vacinal pode abrir brechas para o retorno de doenças já erradicadas no Brasil, e sobrecarregar o orçamento público.
“A falta de vacina, somada à falta de cuidado dos pais com os filhos afeta a saúde pública e toda a sociedade. Cria-se um ônus econômico para o país”, pontuou Suzete.
“Coberturas vacinais ineficazes não cumprem seu efeito protetor máximo e dá espaço para que doenças como o Sarampo voltem a fazer parte do nosso cotidiano ou sob risco muito alto da volta da Poliomielite”, alertou Orellana.
Num cenário de cortes de recursos financeiros cada vez maiores no SUS, o epidemiologista ressalta que a negação à ciência compromete o serviço de saúde. A recusa da vacina, explica, sobrecarrega a gestão pública e gera gastos desnecessários, uma vez que as pessoas vão adoecendo e recorrendo à estrutura para tratar de uma doença que já tem planejamento preventivo.
Política acima da saúde
A queda no índice de vacinação se deve ao fato dos pais não levarem os filhos para receberem imunização e, de acordo com Suzete, esse número tem mais a ver com um posicionamento político dos pais, aliado a crenças religiosas, do que com conhecimento.
“As informações estão acessíveis a todos. Já foi comprovado que a vacina tem um efeito positivo. Mesmo diante de uma pandemia como o da Covid-19, em que vivenciamos taxa de mortalidade alta na região, além de sequelas graves, as pessoas negam que isso aconteceu”, lamenta.
Para Orellana, a má gestão do PNI (Programa Nacional de Imunizações) também é um dos fatores que compromete uma campanha de prevenção exitosa. Segundo ele, o programa não consegue persuadir pais ou outros responsáveis sobre importância estratégica da vacinação para salvar vidas e promover saúde.
“Na ausência de um PNI forte e efetivo, ganha lugar a desinformação, a negação da ciência, o medo e a conveniência de aliar esse mar de absurdos a posições político-ideológicas que alimentam sentimentos de dúvida, revolta e medo. Não apenas em leigos, mas também em trabalhadores de saúde tomados por insensato fanatismo e delírios sem base técnico-científica”, concluiu Orellana.