O Brasil é marcado pelas desigualdades e injustiças. Muitas instituições mantém privilégios absurdos para alguns de seus membros. No Poder Judiciário, o pagamento de auxílio moradia para os juízes, mesmo os que têm casa própria, é um acinte ao povo, aos milhões que não têm casa e lutam para sobreviver.
O valor do auxílio moradia é de R$ 4.377 por mês. Deveria ser pago somente nos casos em que o juiz vai trabalhar em local que não tem residência da justiça e onde ele não tenha casa própria. Seria normal, neste caso, o Poder Judiciário ajudar nas despesas da permanência do juiz para poder trabalhar.
Mas não, a legislação faculta todo juiz receber ou não, é uma decisão pessoal, mesmo ele já tendo casa própria. Raros são os juízes que se recusaram a receber esse valor. Uma liminar do ministro Luiz Fux, do STF, estendeu o auxílio para todos os juízes. Mas se aguarda que a ministra presidenta Carmem Lucia coloque para julgamento o assunto. Ela não tem pressa. Ela também recebe.
Por isso, no Poder Judiciário, recebem o auxílio moradia os ministros do STF, os ministros do STJ, os ministros da justiça do trabalho, os juízes e desembargadores da justiça do trabalho, os desembargadores nos Estados, os juízes federais, os juízes estaduais.
Também recebem esse benefício os procuradores do Ministério Público Federal, os promotores de justiça e os procuradores do Ministério Público Estadual, os conselheiros e auditores dos Tribunais de Contas nos Estados, os ministros do Tribunal de Contas da União, os procuradores de contas dos tribunais de contas. A mamata é grande.
É o jeitinho brasileiro de aumentar o salário. É uma afronta à desigualdade social. Fruto do descaso histórico com os mais pobres, os humildes do País, que não têm casa.
São castas que foram criadas, uma elite que capturou o Estado para os seus interesses.
Enquanto o Lula criou o Minha Casa, Minha Vida para os mais pobres, a elite criou o Minha Casa, Meu Auxílio. Daí que o jornalista Mauro Lopes, que criou a expressão Bolsa Juiz, para o caso do auxílio moradia e o auxílio alimentação dos juízes. E confronta com o Bolsa Família, tão criticado pelos mais ricos e abastados.
O Mauro Lopes cita o exemplo de uma diarista de 42 anos, que abriu mão do Bolsa Família após conseguir um emprego, devolvendo o cartão do bolsa para que outras pessoas pudessem ser ajudadas. Deu um grande exemplo de seriedade e honestidade.
Por outro lado, ele cita o juiz Marcelo Bretas e sua esposa, também juíza que, apesar de morarem em apartamento próprio luxuoso no Rio de Janeiro e ganharem juntos cerca de R$ 60 mil por mês, foram à Justiça exigir o direito ao auxílio moradia. Os dois juntos recebem R$ 9.661 por mês a título de auxílio moradia e auxílio alimentação. É o Bolsa Juiz.
O juiz Sérgio Moro, que condenou Lula sem provas, recebe o Bolsa Juiz, apesar de ter casa própria e sua esposa ter altos salários como advogada do PSDB. O Moro acha normal, pois entende que é para aumentar a renda pessoal. O jornalista Paulo Henrique Amorim ironiza dizendo que “o Triplex de Moro é muito maior do que aquele que não é de Lula”.
Os desembargadores de Porto Alegre, que aumentaram a pena de Lula, sem provas, recebem o Bolsa Juiz. Eles ganham mais de R$ 40 mil por mês e tem casa própria. Todos eles recebem por mês mais do que R$ 33.763, que é o teto constitucional. Tem desembargador em São Paulo, como José Antonio de Paula Santos Neto, que tem 60 imóveis, mas mesmo assim recebe o Bolsa Juiz.
Os juízes têm 60 dias de férias. Muitos vendem parte de suas férias. No final de 2017 foram R$ 47 milhões pagos no Brasil. É um 14º salário pago para os juízes. Uma grande mamata.
A imoralidade não para. No Amazonas, além do Poder Judiciário e do Ministério Público, o TCE também paga o Auxílio Juiz para os conselheiros, auditores e procuradores. Mas não satisfeitos, queriam mais. Assim, o TCE pagou no final de 2016 R$ 6 milhões a título de auxílio moradia retroativo desde o ano de setembro de 2009. Isso é roubo de dinheiro público.
Enquanto isso, a população mais pobre que recebe o Bolsa Família é criticada, até por quem ganha o Bolsa Juiz. No Brasil, são mais de 6 milhões de famílias sem moradia. Pela falta da política de moradia, agora com o fim do Minha Casa, Minha Vida pelo Governo golpista de Temer, muitas participam de ocupações de terras e terrenos abandonados, de imóveis vazios e são tratados pela polícia com bombas, balas de borracha e cassetetes, na maioria das vezes, por ordem judicial, emitida por juiz que tem casa própria, altos salários e ainda recebe o Bolsa Juiz.
Nos últimos oito anos, com o Bolsa Juiz gastou-se R$ 4,3 bilhões para beneficiar 20 mil pessoas. Só em 2017, foram R$ 817 milhões. Tem vida cercada de luxo e privilégios. Nada é exigido como contrapartida. A maioria já tem imóvel. São considerados heróis pela elite e preferem sentenças mobilizando a PM para expulsar com violência pobres, muitos beneficiados pelo Bolsa Família, que ocupam áreas para construírem suas casas.
Com o Bolsa Família, são 12,7 milhões de famílias que têm renda média de R$ 170 mês, e recebem entre R$ 39 a R$ 372, conforme o número de crianças. No orçamento de 2018, foi cortado R$ 1 bilhão para o Bolsa Família. É exigido que mantenham as crianças na escola, vacinação, pré-natal. Tem vida marcada pelo fantasma da fome. São considerados vagabundos pela elite, pela grande mídia e por segmentos das camadas médias.
O auxílio moradia pode até ser legal, mas é imoral perante a realidade da maioria da população. É necessária a pressão do povo para que o STF acabe com esse privilégio.
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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