Quando comentei o livro do Mario Vargas Llosa, Cartas a um jovem escritor, mencionei um outro livro, o Bird by Bird, da Anne Lamott, e disse que ele merecia, oportunamente, um comentário próprio. Aí vai.
– Então, você quer escrever um livro?
– Quero.
– O melhor a fazer é ir escrevendo logo. Supondo que você tenha alguma coisa sobre o que escrever, não é?
– Tá na minha cabeça há muito tempo.
– O que está esperando para colocar isso no papel? Se é como diz, que isso está em você há tanto tempo… Vai, senta e escreve. Ou prefere que antes eu lhe mostre como é que se transforma ideias em texto? (Puxa! Como seria bom se isso fosse possível na vida real – aparecer alguém com disposição para nos desentranhar nos caminhos da escrita)
– Eu adoraria! Já fiz várias tentativas, sem resultado. Essa coisa continua assombrando de dentro da minha cabeça. Não sai de lá nem consigo esquecê-la.
– Olha, parece complicado, mas na verdade é simples, se você tomar algumas medidas que favoreçam o fluxo das ideias. Esse é um ponto. Disse o mestre.
– Tá, até aí eu fui. Ideias não me faltam. Mas me enrolo na organização delas. Começo a escrever e, em pouco tempo, fico enredado pelas várias possibilidades, os muitos caminhos para a narrativa seguir. Empaco. Começo a acreditar que escrever é mais um trabalho de organização do que de criação. Acho que a diferença entre o escritor e os simples mortais está na capacidade de um transformar impulsos cerebrais em texto inteligível, criativo e novo, não importa o assunto, enquanto aos outros, como eu, até agora, cabe ficar nos mata-burros das primeiras linhas. É como se um grande pensamento branco tomasse conta do cérebro. E lá fica a ideia, acenando, como quem diz: vai, me escreve, qual o problema? Afinal, sou toda sua e estou bem aqui, na sua cabeça.
– Chegou perto. Vamos olhar com mais cuidado esse ponto. Deixa a organização do seu “romance” para mais adiante. O primeiro passo é tirar o máximo da tal idéia, algo que possa se transformar em texto, como você mesmo disse, inteligível, criativo, essas coisas. Qualquer rabisco vale. Frase solta vale. Sem organização mesmo…
– E como isso é feito?
– Ora, escrevendo.
– Mas…
– Espere. Sei que vai dizer que empaca etc. Aqui, quando digo que é escrevendo que se começa a tirar a ideia da cabeça, não falo da produção do texto final, mas apenas daquela pressão que, novamente usando as suas palavras, lhe assombra a cabeça há tempos.
– Mas, ao conseguir escrever isso, não estou trabalhando com a minha ideia e produzindo o livro?
– Sim e não.
Fiquemos imaginando que a conversa continua. Muitas páginas serão necessárias para narrar a epopeia do mestre, disposto à tarefa de desvendar, ao neófito, os mistérios que se ocultam por dentro da mente daqueles que conseguem produzir escritos, inteligíveis, criativos e novos, não importando o tema.
Este diálogo, infelizmente, é um bocado improvável, mas pouparia o tempo de muito candidato a escritor. É improvável porque dificilmente se encontrará o sábio interlocutor, com a disposição de ensinar o caminho entre as pedras (e espinhos) da produção literária.
Mas, para isso também há remédio. Procurando a solução para o meu problema – sim, leitor incauto dessas linhas, o neófito sou eu -, encontrei mapas que mostram alguns desses caminhos entre as pedras. Descobri, seguindo aquelas pistas, que há muitos deles por aí: escritos que falam do escrever.
Há os livros técnicos, os eruditos, outros até são engraçados e alguns, os melhores, conseguem misturar um pouco de tudo para dar ao leitor, interessado em se passar para o lado do escritor, boas informações sobre o prazeroso, mas extenuante, ofício de escrever.
A triste verdade: não há quem ensine a escrever! Tudo vai depender apenas daquilo que você já sabe – desde os tempos da escola – e/ou apreendeu dos muitos livros que leu. Ah, não leu muitos livros? Vai subir uma ladeira bem mais íngreme. Para escrever com qualidade – que não significa apenas o domínio das técnicas, mas a facilidade de escolher a sintaxe, o estilo com que determinará a fluência de suas ideias – a leitura prévia de muitos autores lhe proporcionaria um caminho mais plano. A cultura literária faz milagres. Existem autores, por exemplo, que produzem texto como se estivessem deslizando ladeira abaixo.
O primeiro ponto abordado pelo “mestre”, no diálogo improvável, diz sobre a desordem das primeiras anotações. O segundo ponto, que não deixamos sequer ser mencionado, diria sobre o fluxo das palavras do cérebro para o papel e alguns métodos para que isso se mantenha pelo tempo necessário à consecução da missão de escrever o conto, a crônica, o romance, a monografia ou o relatório ao chefe do departamento.
O mestre disponível é coisa rara, uma espécie praticamente extinta, mas, nas minhas buscas, encontrei um livrinho, uma verdadeira preciosidade, um manual de instruções na arte da produção literária. Quem gosta da ideia de passar a escrever deve comprá-lo. Garanto que terá muitas horas de divertimento e aprendizado com a Sra. Anne Lamott, autora do tal Bird by Bird, ou Palavra por palavra, em português. (Não gostei desse título em português, mas temo que o leitor não vá se dar conta da sutileza que envolve o título, no original em inglês. Eu fui obrigado a “saber” disso porque, quando comprei o livro, só havia a edição americana. Não sei como foi que os pássaros se transformaram em palavras na edição brasileira. Mas não tenho a menor dúvida de que isso deve ter sido objeto de muita discussão entre o tradutor e os editores)