
Isabela Palhares e Daniel Carvalho, da Folhapress
SÃO PAULO – Um avião com 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca chegou a São Paulo na tarde desta sexta-feira, 22. O país tem agora dois tipos de imunizante contra a Covid-19.
O fármaco, importado da Índia, chegou ao Brasil depois de sucessivos adiamentos na liberação da carga, o que causou desgaste ao Palácio do Planalto, que apostava nessa vacina para dar o pontapé na campanha de imunização nacional.
A chegada das doses no aeroporto internacional de Guarulhos foi acompanhada pelos ministros da Saúde, Eduardo Pazuello, das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e das Comunicações, Fábio Faria.
Em um breve pronunciamento, os ministros defenderam o governo Jair Bolsonaro sobre o processo conturbado da chegada das doses da Índia.
“Essa parceria envolveu um grande trabalho. Envolveu o presidente Rrepública, várias autoridades da saúde, nosso embaixador. Eu falei pessoalmente todos os dias com o chanceler indiano para possibilitar a chegada dessas vacinas”, disse Araújo, que está sob forte pressão pela dificuldade que o Brasil tem encontrado de importar vacinas e insumos.
Os imunizantes devem ser distribuídos aos estados a partir da tarde deste sábado (23), evitando que a vacinação seja paralisada em diversos locais onde as doses da Coronavac já estão se esgotando.
Segundo Pazuello, todos os estados receberão os imunizantes 24 horas após o início da distribuição. Ele disse que o Amazonas receberá 5% das doses –a medida foi defendida por governadores, que entendem ser a situação mais grave do país e temem o aumento de contaminação de estados vizinhos.
Depois dos trâmites alfandegários em Guarulhos, a carga seguiu para o Rio de Janeiro em um avião da Azul. Elas seriam escoltadas pela Polícia Federal até um depósito da Fiocruz, onde técnicos do instituto farão a checagem das vacinas e rotulagem dos frascos com informações em português.
A previsão é de que esse trabalho dure cerca de 15 horas e aconteça na madrugada deste sábado para que em seguida seja distribuída aos estados. O Ministério da Saúde não detalhou quantas doses serão enviadas para cada local.
O uso emergencial da vacina de Oxford foi aprovado pela Anvisa no domingo, 17, mesmo dia em que foi aprovada a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac.
Foram autorizados 8 milhões de doses dos dois imunizantes, sendo 6 milhões da Coronavac, que foram usadas para começar a campanha de vacinação em todo o país.
A situação representou uma derrota ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que travou nos últimos meses guerra política com o governador paulista, João Doria (PSDB), em torno da Coronavac.
Durante o pronunciamento nessa sexta, Pazuello disse que o governo federal está empenhado em seu trabalho para “salvar vidas”.
“Nosso país jamais será dividido, nenhum brasileiro é mais importante que outro. Nenhum estado é mais importante”, disse o ministro.
Pela manhã, Bolsonaro quebrou seu jejum de cerca de sete meses sem falar com a imprensa na porta do Palácio da Alvorada para responder a algumas perguntas sobre a vacina.
Acompanhado de deputados da bancada ruralista que tomaram café da manhã com ele, Bolsonaro disse que, caso os 2 milhões de doses da vacina da Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca chegassem ao Brasil nesta sexta (22), seriam distribuídos já no sábado (23).
“Pode ter certeza que a Aeronáutica está aí pronta para servir ao Brasil mais uma vez. E esta vacina, amanhã mesmo, se chegar hoje à noite, amanhã mesmo começando a chegar a seus destinos”, afirmou Bolsonaro em entrevista à CNN.
Acuado desde o fim da semana passada diante das críticas à condução de seu governo no enfrentamento da pandemia de coronavírus, Bolsonaro tem tentado se livrar das acusações de que é responsável pelo caos sanitário em Manaus e pelo atraso na imunização no país.
Nesta sexta, chegou a dizer que não era contra a vacinação e se irritou quando uma jornalista o indagou sobre uma declaração antiga de que, segundo levantamento próprio e sem qualquer base científica, menos da metade da população não queria se imunizar. “Olha, eu vou acabar a entrevista assim”, reagiu o presidente.
Ao longo da manifestação à imprensa, Bolsonaro emitiu novos sinais contraditórios sobre vacinação –ora falou a favor ora lançou dúvida sobre os imunizantes.
“Nós entregamos [o primeiro lote de vacina] tão logo a Anvisa aprovou… Esta era a minha oposição, né? Pessoal diz que eu era contra a vacina. Eu era contra a vacina sem passar pela Anvisa. Passou pela Anvisa, eu não tenho mais o que discutir, eu tenho que distribuir a vacina”, afirmou aos repórteres.
Logo em seguida, colocou em dúvida a credibilidade de imunizantes.
“O que tenho observado é que ainda tem muita gente que tem preocupação com a vacina. E deixo bem claro: ela é emergencial. Eu não posso obrigar ninguém a tomar a vacina, como um governador, há um tempo atrás, falou que ia obrigar. Eu não sou inconsequente a este ponto”, disse Bolsonaro, numa referência a Doria, que começou a imunização em seu estado um dia antes do governo federal.
Bolsonaro reiterou que a vacinação tem que ser voluntária. “Afinal de contas, não está nada comprovado cientificamente com esta vacina ainda”, afirmou, ignorando a aprovação pela Anvisa.
“Peço que o pessoal leia –não é a bula, mas eu chamo de bula– os contratos com as empresas para tomar pé daonde chegaram as pesquisas e porque não se concluiu ainda dizendo que é uma vacina perfeitamente eficaz.”
E, logo depois, voltou a falar positivamente sobre a vacina. “Pelo que tudo indica, segundo a Anvisa, ela vai ajudar aí que casos graves não ocorram no Brasil [em] quem for vacinado”, disse Bolsonaro.
Assim como fez em sua live semanal, Bolsonaro voltou a negar que problemas diplomáticos sejam entraves com a Índia e, principalmente, com a China, país de onde vem o insumo para a produção da Coronavac no Brasil.
“Nunca houve qualquer estremecimento nas relações entre Brasil e China e entre Brasil e Índia. A China precisa de nós e nós precisamos da China. E o mundo é assim. Jamais fechamos as portas, seja para qual país for. Estamos sempre prontos a atender os interesses nacionais e obviamente, né, preservar aquilo que temos de mais sagrado aqui que é nossa soberania”, afirmou.
No entanto, quando questionado se estava em contato com autoridades chinesas, Bolsonaro limitou-se a responder que não divulga suas conversas, embora em suas redes sociais haja registros de diálogos que manteve pessoalmente ou virtualmente com representantes de outros países.
Após a entrevista, o presidente foi às redes sociais para agradecer ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.
“O Brasil sente-se honrado em ter um grande parceiro para superar um obstáculo global. Obrigado por nos auxiliar com as exportações de vacinas da Índia para o Brasil”, escreveu Bolsonaro. Uma versão desta mensagem também foi publicada em inglês na conta do presidente em rede social.