EDITORIAL
MANAUS – Pressionado a se posicionar sobre a fala mentirosa e os ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas, ao processo eleitoral brasileiro, aos membros do Judiciário e ao país, o procurador-geral da República Augusto Aras apareceu nesta quinta-feira (21) – três dias depois do episódio lamentável – e não disse a que veio.
Em um vídeo gravado há dez dias, ou seja, muito antes da fala do presidente, o procurador, que poderia apresentar denúncia contra Bolsonaro, se limita a defender a lisura do processo eleitoral e as urnas eletrônicas, mas não cita o evento de segunda-feira, quando o presidente discursou para uma plateia de representantes da diplomacia de cerca de 70 países.
O procurador-geral fala em “últimos acontecimentos no país”, sem citar a reunião de Bolsonaro com embaixadores, e prega a “necessidade de distanciamento, independência e harmonia entre os poderes”.
Augusto Aras afirma que “as instituições existem para intermediar e conciliar os sagrados desejos do povo, reduzindo a complexidade das relações entre governantes e governados”. Sabe o que isso significa? Nada!
Não é segredo para ninguém que o procurador-geral da República é um aliado do presidente, que trabalhou nos dois primeiros anos no cargo para garantir a recondução por Bolsonaro, o que foi feito. Agora, ele atua com um sentimento de gratidão, e não mede esforços para blindar o presidente da República, mesmo diante de comportamentos inaceitáveis, como o que ocorreu na segunda-feira.
Augusto Aras e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), formam uma blindagem dupla para o presidente da República.
Como Chefe do Ministério Público Federal, o procurador-geral representa os interesses da União e fiscaliza a execução e o cumprimento da lei em todos os processos sujeitos a seu exame. Aras confunde “interesses da União” com “interesses do chefe do Poder Executivo”.
O presidente da Câmara tem a prerrogativa privativa de dar o start em processo de impeachment contra o presidente da República, mas mantém na gaveta 145 pedidos, um deles protocolado nesta semana por conta da fala de Bolsonaro aos embaixadores.
O autor do último pedido de impeachment, deputado Jean Paul Prates (PT-RN), alega que o presidente da República cometeu crime de responsabilidade e atentou contra a Constituição da República e a legislação eleitoral ao utilizar um canal de TV público, a TV Brasil, para atacar o sistema eleitoral brasileiro e instâncias do Poder Judiciário, além de fazer propaganda negativa ao seu principal adversário na disputa deste ano.
Na terça-feira, um grupo de 43 procuradores da República assinaram uma representação destinada ao procurador-geral Augusto Aras pedindo investigação do presidente da República.
“A conduta do presidente da República afronta e avilta a liberdade democrática, com claro propósito de desestabilizar e desacreditar o processo e as instituições eleitorais e, nesse contexto, encerra, em tese, a prática de ilícitos eleitorais decorrentes do abuso de poder, com enfoque na propaganda e na desinformação praticadas”, diz o documento.
A resposta de Aras veio tardiamente em forma de um vídeo com uma mensagem gravada muito antes dos tais “últimos acontecimentos no país”. Parece brincadeira.