Por Mônica Bergamo, da Folhapress
SÃO PAULO – O auditor Alexandre Figueiredo Costa e Silva confessou à sua chefia imediata no TCU (Tribunal de Contas da União) que foi ele o autor das análises que levaram o presidente Jair Bolsonaro a divulgar a notícia falsa de que o órgão questionava as mortes por Covid-19 no Brasil.
De acordo com informações preliminares já encaminhadas à corregedoria do tribunal, o auditor relatou que comentou o teor de suas opiniões com o pai, que é militar e amigo pessoal de Bolsonaro. O pai, segundo o auditor disse a seus chefes, teria enviado o texto ao presidente.
A corregedoria, comandada pelo ministro Bruno Dantas, encaminhará um relatório à presidente do TCU, Ana Arraes, propondo a abertura de um processo disciplinar contra Costa e Silva. A investigação será então aprofundada, com a tomada de depoimentos dos envolvidos.
Costa e Silva deve ser afastado cautelarmente do cargo de auditor pela presidente, para poder assim responder ao processo. Ele já foi retirado da equipe que analisa atos de gestão relativos ao combate à Covid-19.
As famílias de Costa e Silva e de Bolsonaro seriam tão próximas que o auditor chegou a ser indicado para uma diretoria do BNDES em 2019. Sua posse foi barrada pelo próprio TCU por conflito de interesses, já que o tribunal fiscaliza o banco.
A confusão envolvendo o tribunal começou na segunda, 7, quando o presidente Jair Bolsonaro afirmou a apoiadores que o TCU questionava as mortes por Covid-19 no país – o que é mentira.
“Em primeira mão aí para vocês. Não é meu. É do tal de Tribunal de Contas da União. Questionando o número de óbitos no ano passado por Covid. E ali o relatório final não é conclusivo, mas em torno de 50% dos óbitos por Covid ano passado não foram por Covid, segundo o Tribunal de Contas da União”, diz Bolsonaro na conversa com apoiadores.
“Esse relatório saiu há alguns dias. Lógico que a imprensa não vai divulgar. Eu tenho três jornalistas que eu converso, não vou falar o nome deles, que são pessoas sérias, né. E já passei para eles. E devo divulgar hoje à tarde. E como é do Tribunal de Contas da União, ninguém queira me criticar por causa disso”.
Em seguida, o portal R7, da Igreja Universal do Reino de Deus, divulgou que “apenas quatro em cada dez óbitos (41%) registrados por complicações da doença seriam efetivamente resultado da contaminação do vírus”. E creditou a informação, que é falsa, ao suposto relatório do TCU citado por Bolsonaro. O portal da igreja afirmou ainda que recebeu o documento de uma fonte do Palácio do Planalto.
Desmentido pelo TCU, o presidente da República reconheceu na terça, 8, que a informação que passou ao público não era verdadeira. E afirmou ser ele mesmo o autor de uma tabela que foi divulgada questionando as mortes, com base em um “acórdão” do TCU.
As análises de Costa e Silva nunca chegaram a integrar qualquer relatório do TCU. Elas foram apenas postadas em um sistema de comunicação interno dos auditores – e prontamente recusadas, por falta de solidez técnica.
O auditor argumentava que, como os repasses de recursos pelo Ministério da Saúde aos estados para o combate à Covid-19 era feito com base no número de óbitos, poderia haver um superdimensionamento dos dados. Governadores e prefeitos inflariam as mortes artificialmente para receber mais dinheiro.
As notificações de óbitos, no entanto, são feitas por médicos e unidades de saúde que atestam a morte. Para inflar os dados, governantes precisariam ter a cumplicidade de milhares de profissionais da área.
O TCU, assim, nunca questionou os dados de óbitos por Covid-19 no Brasil, que já fez 479.792 vítimas.