MANAUS – A comercialização irregular de crédito de carbono, principalmente, entre empresas internacionais que atuam no mercado informal junto a entidades e comunidades do Amazonas foi tema de Audiência Pública realizada na manhã desta segunda-feira (30), no auditório João Bosco, na Assembleia Legislativa do Estado (Aleam). O debate é de autoria do deputado José Ricardo Wendling (PT) e aconteceu por meio da Comissão de Meio Ambiente da Aleam, presidida pelo deputado Luiz Castro (Rede).
Denúncia feita pela Defensoria Pública da União (DPU) acendeu o alerta para essa situação no interior do Estado do Amazonas, devido a suspeitas de irregularidades de compra deste elemento em áreas de terras indígenas, em propriedades particulares e mesmo de alguns municípios, como: São Gabriel da Cachoeira, Boca do Acre, Autazes, Borba, Barcelos, Carauari, Juruá, Tapauá e nas áreas indígenas Sateré-Mawé.
José Ricardo explicou que a limitação ou redução das emissões de gases que agravam o efeito estufa passou a ter valor econômico, visto que por convenção, uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um crédito de carbono, mas como qualquer outro negócio jurídico tem que ocorrer com base na boa-fé e na legalidade e sob o controle dos órgãos de fiscalização.
“Vivemos em uma sociedade capitalista onde tudo se torna produto. Mas, não é porque se trata de um produto peculiar que este negócio será feito à margem do que determina a legislação brasileira. A negociação de crédito de carbono não pode ser firmada aquém dos órgãos responsáveis. É nossa responsabilidade proteger a floresta e as pessoas que vivem dela”, expôs ele, acentuando ainda que imensas áreas de florestas estão sendo colocadas sob controle de empresas, sem o aval do poder público, o que se constitui um grave crime. “Também precisam ver quais os reais benefícios da venda desse elemento para o desenvolvimento do Estado. Um debate que precisa ser mais aprofundado para haver uma urgente fiscalização e controle dos órgãos públicos. O assunto ainda é uma caixa fechada, sem qualquer transparência”.
O defensor público Diego Antônio Cardoso, da DPU, destacou a importância desse debate para o Amazonas. Em 2014, a Defensoria recebeu denúncia da ONG Plant, de que estava havendo comercialização irregular de crédito de carbono em alguns municípios e até em áreas indígenas do Estado. “A partir daí, iniciamos os debates sobre essa temática”.
De acordo com a representante da ONG Plant, Catherine Halvey, grupos lobistas internacionais estariam atuando na região de forma irregular. Ela contou que 65% das terras mundiais são usadas e preservadas pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais, representando cerca de dois bilhões de pessoas. “Mas, somente 10% dessa terra é legalmente reconhecida. O restante pertence às comunidades por meio de leis arranjadas de posses de terra. Por isso, há muitos conflitos. E a nossa preocupação é com relação ao valor e ao lucro em cima dessas negociações. Se, realmente, estão beneficiando essas regiões no Estado, porque não é isso que vemos. Há muitas contradições e mentiras em torno dessas negociações. E as autoridades estaduais devem começar a acompanhar esses projetos, porque prometem milhões de dólares e ninguém sabe onde vai parar esses recursos”, afirmou.
Para o superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Virgílio Viana, não há lei federal que rege esse mercado. “O Brasil está muito atrasado, em relação a outros países. Em âmbito estadual, acabamos de aprovar a Lei Estadual de Serviços Ambientais e que está sendo o marco legal na área. Mas, hoje, não temos, internacionalmente, um mercado de carbono. Existe expectativa de que, em breve, os países cheguem num acordo com relação a isso”, declarou ele, ressaltando que o canal do Governo Federal definido até o momento é o Fundo Amazônia. “Mas não temos relações com esses projetos e o que sabemos é que existem instituições que têm muitos problemas em outros países”. Ele sugeriu, inclusive, que a Comissão de Meio Ambiente da Aleam possa criar um Portal da Transparência para o acompanhamento desses projetos, cadastrando e informando o seu desenvolvimento.
O secretário executivo de Estado do Meio Ambiente, Luís Henrique Piva, disse que esse debate é oportuno, por estar às vésperas da Conferência do Clima em Paris (Cop21 -França) e do Amazonas ter aprovado recentemente a Lei de Serviços Ambientais. “Essa nova legislação vai muito além de conservar a biodiversidade e de combater o desmatamento, porque pretendemos criar oportunidades de desenvolvimento sustentável no interior do Estado. A partir de agora, passaremos a nivelar esse sistema, devendo todos os projetos passar pela gestão estadual para monitoramento. O montante de carbono para o Estado deve ser registrado e contabilizado”, disse ele, que acatou a criação de um portal também na Secretaria para dar mais transparência no desenvolvimento desses projetos de crédito de carbono.
João Campelo, presidente da Associação Amazonense dos Municípios e prefeito do Município de Itamarati, sugeriu que haja um grande encontro entre o Estado e as prefeituras, principalmente, as que já estão com acordo firmado com esses projetos internacionais. “Por isso, precisamos debater mais esse assunto, para que as comunidades possam atuar com mais dignidade e não serem lesadas por empresários oportunistas”.
Já o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Fernando Merloto, enfatizou que esse é um assunto novo, mas que, anteriormente, existia a discussão se seria um mercado tributário ou de crédito. “Por pressão, optou-se por ser crédito. Mas é preciso verificar quais as consequências desse tipo de mecanismo. A estratégia de compra e venda de emissão pode levar a uma nova forma de emissão, com a aparência de que algo bom para o meio ambiente. Sabemos que alguns desses projetos geram promessas para as comunidades, mas que, muitas vezes, não chegam. E isso é preciso ser mais debatido e investigado, não só pelo Ministério Público Federal, mas por todos os órgãos competentes”, alertou.
E o especialista na área ambiental, Ennio Candotti, suscitou mais um questionamento frente a esse assunto: “É verdade que a floresta sequestra e absorver carbono? Porque há uma corrente que diz que quando as florestas estão alagadas elas não absorvem carbono ou absorvem somente de 10% a 20%. Mas sabemos que há muitos interesses por trás desse mercado para que pensemos o contrário. Outro ponto de questionamento é se podemos negociar carbono numa área maior do que se tem a propriedade. Só podemos desmatar 20% da floresta e somente desse percentual é que deveria haver a oferta”, defendeu ele, comentando ainda que considera imoral vender crédito de carbono para permitir que empresas internacionais poluam em outros locais. “É uma espécie de certificado de boa conduta. Se não enfrentarmos essa situação, vamos pagar um preço alto no futuro”, compartilhou.
Contratos
Um desses contratos foi assinado por índios da etnia Mundurucu, do Estado do Pará. Por US$ 120 milhões de dólares, eles concederam à empresa irlandesa Celestial Green o direito de negociar no mercado internacional, pelos próximos 30 anos, os créditos de carbono obtidos com a preservação de uma área de 2,381 milhões de hectares, território ao qual a empresa teria acesso irrestrito.
Este acordo também transfere à empresa o direito a qualquer benefício ou certificado obtido a partir da biodiversidade local e impede os índios de promover qualquer atividade que possa afetar a concessão de créditos de carbono, como erguer casas ou abrir novas áreas de plantio.
Segundo a agência de notícias “Pública”, a empresa irlandesa também teria contratos no Amazonas. Um deles seria o “Projeto Borba”, firmado com a Prefeitura Municipal, em 2010, intermediado pela ONG Fundação Ecológica da Amazônia (Feama). O acordo daria direito a créditos de uma área de 1.333.578 hectares, cerca de um terço do município.
Participaram dessa Audiência Pública, dentre outros órgãos e entidades: Superintendência Geral da Fundação Amazonas Sustentável, Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal, Secretarias Estadual e Municipal do Meio Ambiente, Associação Amazonense de Municípios, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto de Desenvolvimento do Amazonas (Idam), Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Rede Amazônica, Exército Brasileiro, Arquidiocese de Manaus, Pastoral da Terra, Musa, Cimi.