
É estarrecedora a declaração do presidente da República, afirmando que o governo federal não tem a responsabilidade de enviar oxigênio para Manaus, capital amazonense que passa por uma grave crise sanitária, tendo aumentado significativamente, nas últimas semanas, o número de óbitos por asfixia.
A declaração se mostra totalmente descabida perante as determinações da Constituição Federal, segundo a qual “o sistema único de saúde será financiado com os recursos do orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes” (Art. 198).
Através de uma fala sem fundamento e evasiva, o presidente da República não demonstra nenhum escrúpulo, tentando mais uma vez enganar o povo brasileiro e fugir da sua responsabilidade constitucional. Não é a primeira vez que o mandatário agride a Constituição Federal e o Brasil, provocando múltiplas reações da sociedade civil e organizações democráticas, que tentam emplacar merecidamente o seu impeachment.
É visível a responsabilidade do executivo federal, não somente em relação ao caso de Manaus, mas também sobre a precária resposta do Estado no combate à pandemia que devasta o território brasileiro de norte a sul. Adotando uma postura negacionista, que ignora a gravidade da doença, ele debocha das medidas de prevenção, desarticula as instituições públicas de saúde, promove o uso de medicamentos sem garantias cientificas e fere com grosserias os sentimentos de milhões de pessoas que perdem os seus entes queridos para a covid-19.
A omissão diante do colapso do sistema de saúde amazonense também deve ser atribuída à má gestão dos governadores e prefeitos locais. Grupos políticos descomprometidos com o bem-estar da população dominam o Estado há décadas, não permitindo o surgimento de gestores democráticos e mantendo a população refém do autoritarismo e aprisionada às condições de pobreza. Não somente o direito à saúde é historicamente violado no Estado e na capital amazonense, mas também outros direitos básicos como moradia, saneamento básico e educação de qualidade.
O modelo de gestão pautado na exploração irresponsável da natureza e do ser humano configura o sistema social e político do Amazonas e dos vários Estados da região. Tal modelo é pródigo em gerar desigualdades sociais e degradação ambiental. Esta crise socioambiental se tornou mais evidente no contexto atual da pandemia do coronavirus, exigindo uma mudança radical no jeito de fazer política. É necessário viabilizar um projeto comum de sociedade diante de tanta fragmentação de interesses e que se oponha à noção das elites políticas e econômicas, segundo a qual o mundo não é para todos.
Para isso, convém desmascarar a crueldade dos que ocupam as principais cadeiras de comando no país e na Amazônia, atribuindo-lhes a sua responsabilidade pela tragédia que hoje nos assola. Que grupos e ideologias eles representam? Quem os financiam? Que estratégias de comunicação utilizam para manipular a população? Quando pensarmos sobre isso, ensaiaremos os primeiros passos rumo à sociedade que almejamos.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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