
Por Ítalo Lo Re, do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – O Senado aprovou na semana passada proposta de emenda constitucional que inclui os guardas de trânsito entre os agentes de segurança pública. O projeto, que também acrescenta os guardas-civis nesse rol, ainda será analisado pela Câmara.
Representantes dos agentes de trânsito afirmam que a mudança reconhece uma atividade exercida na prática por profissionais da área, além de evitar insegurança jurídica.
Especialistas, por outro lado, alertam que a medida abre margem para que outros grupos exerçam pressão para inclusão na área da segurança pública. Dizem ainda que amudança atende a interesses específicos, em vez de ampliar o debate sobre o tema.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), relator da PEC aprovada, disse que o texto reforça que os agentes de trânsito “podem agora praticar também um policiamento ostensivo”.
“Ali, no momento em que estão naquela via, controlando e fiscalizando o trânsito, (vão) poder atuar num flagrante de roubo, de furto, em uma tentativa de sequestro, um estupro”, disse.
O senador acrescentou que os agentes de trânsito têm “muito a contribuir no policiamento ostensivo” nas vias, “exercendo também uma função para complementar os órgãos de segurança pública”. A gravação foi feita ao lado de agentes de trânsito uniformizados.
Na prática, o texto, de autoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), sugere a ampliação da lista das forças que fazem parte da área da segurança, conforme a Constituição Federal.
“A atividade fim do agente de trânsito continua, e vai continuar com a PEC 37, a ser (monitorar) as infrações de trânsito”, diz Antônio Coelho, presidente da Associação Nacional dos Agentes de Trânsito do Brasil (AGT Brasil).
“No entanto, existe a atividade meio dos flagrantes delitos no trânsito, como furtos, roubos… Situações em que o crime está sob rodas. Nesses casos, a gente pode fazer alguma intervenção ou auxiliar as demais forças de segurança”, acrescenta.
Segundo Coelho, são atividades que acontecem na prática, e que não seriam exatamente uma novidade – o argumento é parecido ao de guardas civis, que também têm ganhado mais protagonismo.
Ao mesmo tempo, o presidente da AGT Brasil acredita que, com a possível aprovação da PEC, agentes de trânsito agora podem ser incluídos com mais frequência em planos de segurança pública. “A PEC traz mais segurança para nossa atuação”, afirma.
Reivindicações
As reivindicações pela inclusão dos agentes de trânsito no rol da segurança pública vêm pelo menos desde o começo da última década. Até como reflexo disso, em 2014, foi aprovada uma emenda que incluiu “segurança viária” na Constituição Federal.
Para representantes dos agentes de trânsito, porém, a mudança gerou insegurança jurídica. “Mesmo depois da promulgação da emenda constitucional 82/2014, começou a ter diversas interpretações dos tribunais”, afirma Coelho.
Ele cita que, em 2020, com a pandemia, houve congelamento das progressões de carreira para servidores, exceto para áreas como a da segurança pública. “Mas alguns Estados da federação negaram que agentes de trânsito eram segurança pública”, diz.
Esse foi um dos motivos centrais que fizeram as reivindicações voltarem com força. No fim de 2022, o senador Veneziano Vital do Rêgo apresentou a PEC 37/2022, agora aprovada no Senado. O texto faz menção direta a “agentes de trânsito”.
“Hoje os agentes de trânsito, tanto municipais quanto estaduais, têm competência para fiscalizar todas as infrações de trânsito, como alcoolemia”, diz Coelho. “Só que, na prática, muitas vezes, nossa abordagem é questionada”.
Ele afirma que, na prática, as mudanças nas rotinas seriam mínimas, mas admite esperar que a PEC abra caminho para outros projetos, como os que propõem o porte de armas para agentes.
“Como ela (a PEC) fortalece o reconhecimento que os agentes de trânsito têm um papel preponderante na segurança pública, então todos os projetos relacionados à atividade do agente de trânsito na segurança pública serão melhor ouvidos e debatidos”, afirma.
‘Todo mundo quer ser polícia’
Especialistas consultados pelo Estadão avaliam que a inclusão de agentes de trânsito como órgão de segurança pública pode ter pouco efeito na prática. Manifestam ainda preocupação quanto a um possível aumento da participação de agentes de trânsito em ações de policiamento ostensivo.
“O que pauta o debate no Brasil sobre a segurança pública é uma luta corporativa por ampliação de atribuição: todo mundo quer ser polícia”, afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
“Fica um debate vazio: ninguém discute a necessidade real, o que cabe a um agente de trânsito fazer, qual é o sentido dele no policiamento de trânsito, o que é isso”, diz. “Vai ser um debate muito mais nocivo do que construtivo para a segurança pública”.
Na avaliação dela, a aprovação da PEC no Senado foi fruto do debate da PEC da Segurança Pública, em discussão no Congresso Nacional. “Obviamente, a tramitação da PEC da Segurança coloca um rastilho de pólvora nas discussões que já tramitam no Congresso como um todo”, afirma Carolina.
Para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a inclusão dos agentes de trânsito atende a um lobby dos profissionais da área, e pode ter diferentes implicações nos Estados.
“No caso de São Paulo, o agente de trânsito é (da) CET, uma companhia privada. Você estaria dando, por exemplo, poder de polícia a uma companhia privada”, diz. “Por mais que seja controlada pelo poder público, é uma empresa de direito privado”.
O pesquisador afirma que a eventual aprovação na Câmara também pode gerar um efeito cascata. “Se a gente não tomar cuidado, todas as carreiras vão querer seu espaço, seu quinhão”, diz. Um efeito prático, diz, é que isso permite a elas o acesso ao Fundo Nacional da Segurança Pública.
“Enquanto a gente fica num debate se pode ou não pode, a gente não está desenhando um novo sistema de segurança pública”, diz Lima. “A gente não está discutindo o modelo, e está virando espaço para que a agenda seja capturada por lobbies corporativistas”, afirma.