Acompanhando as manifestações que ocorreram nos últimos três anos no Brasil percebemos uma mudança na sociedade no que diz respeito ao ato de se manifestar. Há 20 anos este tipo de movimento era restrito aos partidos de esquerda que através dos sindicatos e movimentos sociais mobilizavam centenas, e às vezes milhares, de pessoas.
Contudo, nos últimos anos temos visto movimentos que, se não são independentes de partidos políticos, pelo menos tem mais autonomia em relação a eles que os movimentos sociais que se alinham com a esquerda. É claro que a primeira vista isto parece bom, mas também dá margem a muitas incoerências, a primeira delas é a falta de um foco, de uma pauta de reivindicações, de objetivos bem claros.
Neste sentido, as manifestações que temos visto são pouco propositivas, falta a elas conteúdo, algo que vá além das palavras de ordem e do simples desejo, talvez por isso não estejam atingindo nenhum dos diversos e confusos objetivos a que se propõem. E neste cenário tão plural surge quem levante as mais variadas bandeiras, que vão desde a saída da atual presidente da República até a volta do regime militar.
Apesar de tudo isso há de se reconhecer que dentro do estado democrático de direito qualquer manifestação que não use de violência é bem-vinda e deve ser incentivada. É claro que uma mobilização desta natureza deve ser a culminância de um processo anterior que inclui o debate acerca das motivações e o estabelecimento de objetivos bem claros. Fugindo-se disso o risco de se cair em descrédito é muito grande.
Por mais absurdo que se possa parecer é na educação básica que este aprendizado começa. Conversando-se com coordenadores e diretores de escola ouve-se de tudo. Os alunos desde o ensino fundamental se manifestam pelos mais variados motivos: contra (ou pela) demissão de um determinado professor, para anulação de provas, para melhorias da escola, para realização de jogos internos, e até para realização de festas de formatura. É no seio de pequenas lutas como essas que surgem novas lideranças e aprende-se a debater, negociar, articular e a mobilizar pessoas.
Com intuito de estimular esse debate com os alunos, as manifestações que tem ocorrido no Brasil e no mundo podem, e devem, ser temas abordados em sala de aula, é preciso que nossos jovens entendam o que está acontecendo na sociedade a sua volta, pois a partir desse entendimento passam a se sentir partícipes dela estabelecendo relações de causalidade entre o local e o global.
É claro que nessa relação dialógica pedir isenção do ponto de vista dos professores seria algo impossível, não porque eles sejam propositadamente tendenciosos, mas porque epistemologicamente já se sabe que este tipo de neutralidade não existe.
Mas vale ressaltar que contrariamente há algumas décadas onde os professores eram quase que totalmente de esquerda, hoje temos nas escolas um quadro mais diverso, com professores alinhados politicamente à direta, ao centro, e até aqueles que se dizem apartidários. Essa diversidade de pensamento e pontos de vista é o que de mais rico uma escola pode proporcionar a um ser humano durante sua formação.
Surpreendentemente o projeto de lei 867/2015, do deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), tenta colocar uma mordaça nas escolas. O projeto estabelece, entre outras coisas, que a educação deverá se pautar pela neutralidade política e ideológica.
Talvez o que o nobre deputado, que de formação é contador, não saiba é que esta isenção não existe, uma boa prova disso é que até mesmo o seu projeto de lei tem motivações ideológicas bem claras, não conseguindo ter a neutralidade que sugere.
Em audiência pública realizada em Março deste ano para discutir o projeto, Izalci e seus adeptos colocaram a culpa do que chamam de “doutrinação ideológica praticada por professores” na formação que se recebe nas universidades. Sobrou até para o saudoso Paulo Freire, acusado de ser o maior doutrinador de teses de esquerda do Brasil, segundo o sociólogo Bráulio Porto de Matos que esteve presente na audiência.
É fato que as universidades historicamente tem uma afinidade com a esquerda, mas daí a sugerir que por conta disso os professores devem, no exercício de sua profissão, deixar de expor seus pontos de vista vai uma distância muito grande.
Projetos assim só empobrecem nossa já combalida educação tentando reduzir o papel do professor a um mero transmissor de informações, em um modelo que em nada estimula o desenvolvimento do senso crítico dos educandos.
Eis aí um bom motivo para uma manifestação.
George Castro é supervisor do Pacto Nacional pelo Fortalecimen to do Ensino Médio;
diretor executivo da Macedo de Castro consultoria educacional; ex‐professor da Universidade
Federal do Pará e ex‐diretor do ensino médio e educação profis sional do estado do Pará.
Contato: [email protected]