Todos pesávamos que a era da informatização e seu mais festejado subproduto, as redes sociais, abririam as portas para a liberdade; que ninguém mais seria capaz de frear a força que emana de cada alma cidadã. Pensávamos que de casa, de posse do computador ou do celular, o cidadão elevaria sua autoestima e teria maior participação e influência nas decisões coletivas. Pensávamos que as redes sociais seriam o que foram no passado a praça e a rua. A utopia de uma geração ou de várias gerações que apostaram neste novo espaço como uma ferramenta para cidadania sucumbiu.
O que ocorreu, ao contrário, foi o estreitamento dos caminhos para a liberdade. O abandono da praça se revelou uma frustração para quem no passado recente tinha a coragem de, anônimo na multidão, gritar palavras de ordem, expressar sua indignação com o que o incomodava. A rede ou as redes sociais, como se convencionou chamar os novos espaços públicos, se tornaram os olhos do espião, que no mundo sem internet tinha muito mais dificuldade de agir. Todos estão sob o alcance do grande telescópio que tudo vê.
Numa era não muito distante, os cristãos, em particular, sustentados pela fé, tinham a certeza de que apenas o Onipotente vigiava seus passos e registrava as virtudes e pecados de cada um. Tudo se resolvia no confessionário e na penitência. Agora, a vigilância sobre todos os mortais deixou de ser prerrogativa da divindade e passou a ser eletrônica, com o agravante de que deixa rastros que dificilmente são apagados. Ninguém que entra na rede escapa dos olhares permanentes.
Diante do olhar onipotente e onipresente da grande rede, instalou-se o medo. Poucos cidadãos são capazes de bater no peito e dizer “eu sou livre para exprimir meus sentimentos”. A teia das relações mais amarou do que libertou. Como ninguém consegue no espaço público expressar-se sem ser notado, e a ninguém é dado o direito de ser um anônimo na multidão, como na praça, mesmo sob o anonimato, não restou alternativa à retração.
A frustração com as novas ferramentas é visível. Muitos, inclusive, já foram punidos pela ousadia de mostrar-se, de opinar, de manifestar sua indignação. Nada mais é permitido senão a bajulação. Muitos já perceberam que as redes sociais deixaram de ser (na verdade nunca foram) um espaço de discussão, e que o conteúdo do que se publica é cada dia mais desagradável a quem busca saídas para o estado de coisas que as mentes sadias rejeitam, seja no ambiente social seja no ambiente privado das corporações. A frivolidade e a publicidade passaram a reinar no espaço que muitos imaginaram que seria a grande praça.
Que liberdade poderia ter um cidadão ou uma cidadã vigiado(a)? A vigilância impede, inclusive, o uso das próprias ferramentas das redes sociais, como o comentário e o compartilhamento. Poucos são os que têm a liberdade de, diante do conteúdo que lhe faz vibrar, compartilhar com os amigos e fazer circular a informação. Comentar é ainda mais arriscado. A muitos o “curtir” é a única válvula de escape (par ficarmos apenas no exemplo do Facebook). Depois de avaliar as consequências uma “postagem”, a maioria desiste de apontar os dedos para o teclado.
Por outro lado, a grande rede possibilitou aos cidadãos o conhecimento do que no passado era segredo de Estado. Mas as informações acessadas com tanta facilidade devem ser consumidas individual e privadamente. Nada pode ser feito ao olhar do grande vigilante. O medo impede-nos de exercer a cidadania com liberdade.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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