Causou espanto internacional o pronunciamento do ministro do Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Leite, afirmando que “onde existe muita floresta também existe muita pobreza”. Com isso, o represente do governo brasileiro sugere que a pobreza está associada à manutenção das florestas, incentivando assim o desmatamento ou a inserção das riquezas naturais no círculo do mercado internacional.
Tal pronunciamento foi realizado na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (CP26), que ocorre em Glasgow (Escócia) entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro de 2021. O obscurantismo da afirmação contribuiu para que o Brasil recebesse pela 2ª vez nesta COP o antiprêmio Fóssil do Dia, cedida pela Climate Action Network, organização que reúne mais de cem entidades climáticas.
Na Conferência, Jair Bolsonaro já havia conquistado o antiprêmio Fóssil da Semana, pelo tratamento horrível e inaceitável aos povos indígenas, após criticar a ativista Txai Suruí, que no dia 2 discursou para dezenas de líderes mundiais. A indígena havia se manifestado contra o desmatamento na Amazônia e pela demarcação de terras que tem sofrido retrocessos no Governo Bolsonaro.
A ignorância do ministro bolsonarista é evidenciada por vários estudos internacionais. Um deles é trabalho clássico de 2004, em que pesquisadores do Imazon mostram que, na realidade, é o desmatamento que está ligado à pobreza. Este estudo prova que as regiões desmatadas sofrem uma piora substancial e duradoura do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) após o esgotamento dos recursos naturais.
A associação da pobreza com a existência de florestas busca justificar uma política de desmatamento e destruição adotada pelo governo brasileiro. Monitoramentos baseados na Plataforma Terra Brasilis mostram os altos índices de desmatamento na Amazônia Legal, assinalando que no último mês de outubro a região perdeu 795, 1 Km² de florestas nativas.
Com esta destruição, o mês de outubro alcançou o segundo pior índice desde o início da aferição, perdendo somente para o mês de outubro do ano passado, que registrou 836,23 Km² de devastação florestal. Ao associar a existência das florestas à pobreza, o ministro ignora a importância fundamental das florestas para a vida do planeta, despreza o estilo de vida sustentável dos povos das florestas e incentiva o crime bárbaro da destruição ambiental.
Esta forma estreita de pensar não somente ignora a riqueza da floresta em termos de biodiversidade e serviços ambientais, mas também é fechada ao reconhecimento da natureza como sujeito de direitos que devem ser respeitos pela sociedade.
Os quadros que formam o atual governo brasileiro parecem ainda viver em pleno século 18, atribuindo à natureza a função exclusiva de ser usada e abusada pelo ser humano, ignorando o fato de que o homem é também natureza e a morte dela representa igualmente a morte dele.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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