Mais um decreto de calamidade pública publicado, que se soma aos outros 34 municípios já em estado de emergência. Agora em Manaus, devido à enchente causada pela elevação das águas do Rio Negro. Todo ano é a mesma coisa. Milhares de famílias perdendo tudo e enormes prejuízos para as atividades econômicas, chegando a R$ 165 milhões somente aos agricultores, de acordo com o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal do Amazonas (Idam). E nada do poder público planejar medidas de prevenção que reduzam os impactos para a população.
Desde o mês de janeiro, a enchente no rio Juruá vem alagando casas, ruas e cidades, começando por Cruzeiro do Sul e outros municípios do Acre, e seguindo para Ipixuna, Guajará, Eirunepé, no interior do Amazonas. Milhares de famílias desabrigadas e com necessidade de ações emergenciais e de solidariedade, como fornecimento de água, alimentos, roupas e abrigos provisórios. Em muitas cidades, a vida continua, mas em cima de pontes de madeira, de piso mais elevado dentro de casa, em marombas construídas para abrigar animais e até “andar de canoa” pelas ruas alagadas.
A sede do município de Anamã está totalmente alagada. A maioria dos órgãos públicos não funciona. No Careiro de Várzea, não é diferente. A praça da Igreja está toda alagada e as população anda nas pontes improvisadas. Caapiranga, do mesmo jeito. O mesmo sofrimento da população.
Agora, em Manaus, a Prefeitura decretou calamidade pública, pois já tem ruas do centro comercial, na área da Manaus Moderna e Mercadão, alagadas e a tendência é alcançar o mesmo nível do Rio Negro no ano de 2012, quando atingiu 29,97 m, a maior cheia histórica. Nesse ano, até a avenida Eduardo Ribeiro, no entorno do Relógio e da Praça da Matriz, também alagou.
Quando o Governo e a Prefeitura decretam calamidade pública, significa que estão permitidos gastos públicos para enfrentar as consequências da enchente, sem licitação. E aí mora o perigo, pois abre margem para compras superfaturadas e esquemas de favorecimento. Se não houver transparência, muito dinheiro público é gasto, sem resultados práticos.
Esta é a questão. A enchente tem todo ano. Não é novidade. Não é possível impedir a ação da natureza, e possíveis catástrofes. Mas é possível planejamento para ações de prevenção para reduzir os impactos das enchentes. Mas isso não é feito. Nada tem prevenção.
Quando deputado, apresentei as PECs 03/2011 e 04/2015 e o Projeto de Lei 111/2013, que tratavam sobre programas e estratégias de prevenção e combate aos efeitos das catástrofes ambientais, como enchentes e vazantes. Na época, teve pouco apoio de quem hoje está no comando da cidade de Manaus.
Junto ao Governo Federal, enviei indicação para que a União possa dar atenção especial para ajudar a população do Amazonas, que sofre muito com a pandemia da Covid-19, que já ceifou mais de 12,7 mil vidas, e causou o desemprego de milhares de pessoas, e até a fome. Agora, sofrem também com as perdas causadas pelas enchentes.
Continuo acreditando que a falta de ações de prevenção acontece de propósito, pois beneficia certos interesses econômicos. Há muito se discute mudar a sede de Anamã para um território de terra firme. O custo é alto. Mas não há vontade política para isso ocorrer. Parece que é mais “negócio” manter como está e, todo ano, gastar milhões para recuperar os prejuízos que a cidade sofre.
Em vários bairros, a elevação do Rio Negro estará gerando impactos. Muitos comerciantes são afetados com o fechamento de seus estabelecimentos e redução da renda. Famílias precisam sair de suas casas. Ambos precisam de ações da Prefeitura e do Governo. Precisamos ficar de olho nos gastos que irão realizar.
Pelo visto, o eterno sofrimento do povo desabrigado pelas enchentes vai continuar sendo tratado de forma paliativa, e não como uma política pública efetiva e verdadeira.
José Ricardo Wendling é formado em Economia e em Direito. Pós-graduado em Gerência Financeira Empresarial e em Metodologia de Ensino Superior. Atuou como consultor econômico e professor universitário. Foi vereador de Manaus (2005 a 2010), deputado estadual (2011 a 2018) e deputado federal (2019 a 2022). Atualmente está concluindo mestrado em Estado, Governo e Políticas Públicas, pela escola Latina-Americana de Ciências Sociais.
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