Por Vívian Oliveira, do ATUAL
MANAUS – O dia 1º de janeiro de 2023 raiou com a triste notícia do falecimento do historiador e dono da Banca do Largo, Joaquim Melo, aos 64 anos. Os artistas manauaras e frequentadores da banca foram surpreendidos e lamentaram a partida de um grande incentivador da cultura amazonense. Melo sofreu um infarto no dia 20 de dezembro do ano passado e estava internado desde então.
A cantora Márcia Siqueira, amiga de Joaquim, foi pega de surpresa e, muito abalada, disse que o Largo São Sebastião nunca mais será mais o mesmo. “Que rasteira na gente! É uma perda irreparável porque o Joaquim tinha uma força muito grande e um amor pela nossa cultura e por todas as nossas manifestações. Ele sempre foi aquele cara que agitou os movimentos, foi responsável por tantos projetos legais.”
Márcia acrescentou que além da importância de Joaquim para cultura, ele era um amigo que aproveitava todas as oportunidades para ajudá-la, bem com a outros artistas. “Ele era referência nacional e era sempre procurado para fazer curadoria. Em uma delas, me indicou para cantar no programa de Rolando Boldrin (in memorian).”
“Eu lamento muito mesmo porque é uma perda muito grande. Começar 2023 sem o meu amigo ali, sabe, é duro. Ele estava do lado certo da história e, infelizmente, não vai poder ver a posse do Lula porque era um sonho se ver livre desse governo genocida que representou o de Bolsonaro. Mas, com certeza, onde estiver, Joaquim está se regozijando com essa vitória”, disse Márcia emocionada.
“A HQ (História em Quadrinhos) ‘Ajuricaba’ não existiria sem ele. Como o próprio Ademar Vieira, roteirista e idealizador do projeto, diz: ‘Sem o Joaquim não teríamos Ajuricaba'”. Seu conhecimento sobre a Amazônia possibilitaram toda a pesquisa histórica.
“Perdemos um grande amigo e apoiador dos quadrinhos amazonenses”, lamenta Raphael Antonio Queiroz Russo, administrador do Black Eye Estúdio, que realiza o projeto Quadrinhos na Banca.
“A cada cliente que entrava em sua banca, ele apresentava as HQ’s sempre com entusiasmo. Nunca esquecerei que ele pediu para colocar a capa de Ajuricaba em destaque, junto aos escritores Milton Hatoum e Eliane Brum”, lembrou Russo.
A SEC (Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Amazonas) publicou uma nota de pesar sobre o ocorrido e lembrou o grande acervo de livros sobre a Amazônia disponível na banca e a contribuição de Joaquim com o projeto “Tacacá na Bossa”.
“O Governo do Amazonas e a Secretaria de Cultura e Economia Criativa lamentam, com profundo pesar, a morte de Joaquim Melo, criador da Banca do Largo, local que abriga a mais completa coleção de livros sobre a Amazônia e que faz parte da história do Largo de São Sebastião e Manaus. Joaquim tinha 64 anos e foi vítima de complicações cardíacas, após sofrer um infarto. Ele comandou 16 edições do Tacacá na Bossa, projeto que movimenta a cena cultural, com shows de artistas locais nas noites de quartas-feiras, no Largo de São Sebastião.”
Eliane Brum, jornalista, escritora e autora do livro “Banzeiro òkòtó” utilizou suas redes sociais para se despedir do historiador.
“Um pedaço da Amazônia morreu nesta madrugada. Joaquim Melo, o criador e a alma da Banca do Largo. Sei que gente como Joaquim não morre, se encanta. Meu amigo, voltaremos a nos ver na floresta que você tanto ama, entre os pássaros de asas coloridas”, escreveu.
João Carlos Ribeiro, baterista da banda Casa de Caba, recebeu com tristeza a notícia e lembrou da parceria de Joaquim com os artistas locais, dando oportunidades para que novos talentos pudessem se apresentar no “Tacacá na Bossa”.
“Eu sinto muito e sou muito grato por tudo o que ele idealizou. Ele abriu a mente e portas para muita gente”, disse João Carlos, que é compositor da música “Ribamar”, que homenageia o Largo e o projeto “Tacacá na Bossa”.
Rafael Ângelo dos Santos, mestre em música pela UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e guitarrista da banda Alaídenegão, se entristece com a perda de um aliado.
“Pra mim, o Joaquim era uma pessoa que realmente acreditava na cultura, não ficava somente nos discursos. Tomava ações, criou o ‘Tacacá na Bossa’. Por mais de 15 anos, fomentou o espaço artístico no Largo São Sebastião, ao lado do Teatro Amazonas, um símbolo de um pensamento colonizador. E ele ia na contramão desse pensamento, valorizando os nossos saberes e a nossa cultura e isso diante de um Brasil e de mundo que vê a Amazônia somente como commodities, como um espaço a ser explorado”, declarou.
“E quando um trabalhador da cultura como Joaquim morre, sentimos muito. É uma pena que as pessoas tenham que partir. É uma perda que dói na gente. Sempre que eu ia ao Largo, passava muito tempo conversando com ele. Tínhamos e compartilhávamos muitas ideias em comum”, completou Rafael, com voz embargada.
Mauro Lima, contrabaixista da banda Alaídenegão também guarda na memória a oportunidade e os conselhos de Joaquim Melo aos novos artistas em busca de espaço.
“Joaquim era, antes de tudo, um grande amante da cultura amazonense, sempre com incentivos, conselhos e críticas construtivas. Foram muitos os artistas que passaram pelo ‘Tacacá na Bossa’ nas quartas-feiras, ajudados por ele, enquanto muitos não davam oportunidade”, declarou.
O velório é realizado na funerária Canaã, da rua Major Gabriel, centro de Manaus e o enterro ocorrerá à tarde, no cemitério Nossa Senhora Aparecida (Parque Tarumã), zona oeste de Manaus.