Por Felipe Campinas, da Redação
SILVES (AM) – Municípios do centro do Amazonas começam a retomar as festividades tradicionais quase dois anos após o início da pandemia de Covid-19, que até esta segunda-feira (1) deixou 13.771 mortos em todo o Estado. Diante do avanço da vacinação e queda de novos casos, frequentadores ignoram o uso da máscara e distanciamento social.
Neste final de semana, no município de Silves (a 181 quilômetros de Manaus), a festa do aniversário de 104 anos do Saracá Futebol Clube, agremiação local, reuniu milhares de pessoas, entre moradores da cidade e de municípios vizinhos. O evento foi realizado na Praia do Terceiro, que fica na orla de Silves.
Com show ao vivo em um palco montado na praia e programação esportiva (jogos de futebol, vôlei na praia, torneio de luta), a festa teve aglomeração de pessoas. A reportagem não identificou nenhuma pessoa usando máscara no evento, tampouco fiscalização sanitária que exigisse a apresentação de carteira de vacinação para permanência no local.
Frequentadores da festa com quem a reportagem conversou e não quiseram se identificar afirmam que se sentem seguros em participar de eventos como esse em razão do avanço da vacinação no Estado. De acordo com a FVS, no Amazonas, até esta segunda-feira (1), 1.792.877 de pessoas tomaram as duas doses do imunizante.
A aglomeração de pessoas sem uso de máscara de proteção também foi registrada na Feira da Laranja, realizada no domingo (31) no balneário municipal de Rio Preto da Eva (a 58 quilômetros de Manaus). O evento recebeu atrações nacionais, como o cantor de forró Xand Avião, que atraiu milhares de pessoas.
Promovida pela Prefeitura de Rio Preto da Eva, a festa tinha fiscais sanitários destinados à questão da Covid-19, mas eles eram os únicos que estavam usando máscara, conforme frequentadores ouvidos pela reportagem. Esses participantes da festa afirmaram que não era cobrado o uso da máscara ou carteira de vacinação no local.
Em São Sebastião do Uatumã (a 246 quilômetros de Manaus), a prefeitura promoveu o 1º Torneio de Pesca Esportiva neste final de semana. Apesar de ter ganhado novo nome neste ano, a festa é promovida todos os anos na praia que surge na frente da cidade no com a vazante do rio. Os protocolos de segurança sanitária de combate à Covid-19 não foram obedecidos pelos frequentadores da festa.
Neste ano, além da competição de pesca do maior tucunaré, o evento teve a disputa de beleza ‘Garota Tucunaré’ 2021 e shows do levantador de toadas do Boi Garantido David Assayag e do cantor de pagode Uendel Pinheiro.
Foto publicada na página da Prefeitura de São Sebastião do Uatumã no Facebook mostra os participantes sem máscara e em aglomeração.
Eventos com aglomerações também foram registrados em Itapiranga: festa Garota Pesca Esportiva, no sábado (30); em Urucurituba: Festival da Palavra e Música Cristã, no domingo (31); Parintins: aniversário de 108 anos do Boi Caprichoso, no sábado (30); e Manacapuru: inauguração de centro cultural.
As festas são retomadas após a queda do número de casos confirmados de Covid-19 nos últimos meses.
Conforme dados da FVS (Fundação de Vigilância em Saúde), desde o pico da segunda onda, registrado em janeiro deste ano, o total diário de novos infectados tem reduzido, chegando a média de 42 casos por dia na segunda quinzena de outubro.
De acordo com pesquisa da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), em todo o país, de 1.855 municípios consultados entre 18 e 21 de outubro, 73,3% informaram que já liberaram os eventos. Cerca de 92,5% autorizaram as celebrações religiosas, 75,6% os eventos culturais, festas e shows comerciais e 66,6% os eventos ligados à rede de educação.
O levantamento apontou que 89,7% dos municípios instituem fiscalização quanto às medidas de prevenção da Covid-19, sendo que 23,1% dizem que cobram a apresentação de teste de Covid-19 negativo, 56,4% estabelecem limite de horário para o evento, 38,8% a obrigatoriedade da vacinação completa e 93,4% a redução da capacidade de lotação.
“Cedo”
O médico infectologista Nelson Barbosa, que atua em hospitais públicos do Amazonas, afirma que ainda é cedo para desobrigar o uso da máscara de proteção em eventos que reúnam grande número de pessoas. Ele cita o surgimento de novas variantes do vírus, como a Delta e a Delta Plus, que já é dominante no Reino Unido.
“Em hipótese nenhuma podemos dizer que a vacinação protege 100%. Ela evita que a pessoa adoeça e precise de uma UTI, de ser intubado. Por isso que nessas festas, mesmo tendo muitas pessoas, o ideal é que as pessoas conservem um certo distanciamento porque o vírus ainda está circulando”, afirmou Barbosa.
“Essas variantes (Delta e Delta Plus) são muito transmissíveis. Um paciente com a variante Delta é capaz de transmitir para oito ou dez pessoas, se tiver num ambiente que tenha uma pessoa só contaminada. Por isso que ainda é muito cedo para a gente tentar tirar, abolir o uso da máscara e das medidas de prevenção”, completou o infectologista.
Barbosa afirma que o cumprimento dos protocolos de segurança sanitária continuam sendo essenciais em eventos para evitar a contaminação pelo coronavírus. “Mesmo nessas festas, tem que continuar usando álcool em gel, álcool 70% e as pessoas se preservarem num certo distanciamento”, disse o médico.
Questionado sobre a possibilidade de nova onda de casos, como aconteceu em janeiro deste ano no Amazonas, o infectologista explicou que só há possibilidade quando ocorrer com uma cepa resistente à vacina, que ainda não foi registrado pelos pesquisadores. Ele cita que o fato ocorrido no início do ano se deu em razão da falta de vacinação.
“Agora que nós temos [vacinação]. Por isso que as ‘aglomerações’ estão sendo liberadas, os eventos estão sendo liberados. Porque se não fosse a vacinação, não seria possível isso acontecer”, disse Barbosa.
Novos protocolos
Nesta segunda-feira (1°), começou a valer os novos protocolos para realização grandes eventos esportivos, musicais e culturais no Amazonas previstos no Decreto nº 44.669, de 13 de outubro deste ano. As medidas seguem as orientações do Comitê Intersetorial de Enfrentamento da Covid-19.
De acordo com o documento, está autorizada a realização de eventos com a ocupação de 50% da capacidade do público do local. Os eventos também deverão obedecer aos protocolos sanitários estabelecidos pela FVS e, caso haja descumprimento, os estabelecimentos poderão ser multados em até R$ 50 mil.
O decreto estabelece que a entrada nos eventos está condicionada a apresentação de comprovante do esquema de vacinação completo para os adultos, seja com as duas doses ou dose única. Menores de 18 anos deverão apresentar comprovação regular do esquema vacinal contra a Covid-19 nos eventos em que a entrada for permitida.
Para eventos com público a partir de 5 mil pessoas, conforme o decreto, os organizadores deverão submeter o Plano de Trabalho do Evento à avaliação e aprovação do Comitê Intersetorial de Combate e Enfrentamento à Covid-19.
Procurada pela reportagem, a secretária de Saúde de São Sebastião do Uatumã, Marilene Barreto, afirmou que todas as pessoas que participaram da organização do evento, que disputaram o concurso de beleza e que comercializaram produtos na praia comprovaram que haviam completado o esquema vacinal com a segunda dose.
Barreto, no entanto, disse que, em razão de falta de estrutura, a prefeitura não fechou a praia, ou seja, qualquer pessoa poderia entrar no local, mesmo sem estar vacinada. Segundo ela, diante dessa impossibilidade de isolar o local do evento, a prefeitura adotou medidas de distanciamento de mesas, disponibilizou álcool em gel em todos os quiosques.
A Prefeitura de São Sebastião do Uatumã informou que os dados de vacinação foram considerados para a realização do evento. O município, que tem população estimada em 14.678 pessoas, conforme o IBGE, já vacinou com a segunda dose 3.763 pessoas, e apenas com a primeira dose 5.931 pessoas.
Ainda de acordo com a prefeitura, para a realização do evento foi considerado o fato de o município não registrar novas internações há mais de 30 dias e mortes há mais de dois meses.
A FVS informou que o Amazonas segue em baixo risco para transmissão da Covid-19, permanecendo na fase amarela (fase 2). A avaliação de risco é calculada conforme metodologia desenvolvida pelo Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), levando em consideração a capacidade do sistema de saúde e a evolução da Covid-19 no Amazonas.
Sobre a realização de eventos, a instituição informou que há decretos estaduais que autorizam eventos e quantidade de público desde que haja o cumprimento dos protocolos sanitários. Conforme a FVS, o abandono das práticas de prevenção a Covid-19 pode gerar um aumento de casos graves e o retrocesso na flexibilização dos serviços e comércios.
A reportagem tentou ouvir as prefeituras e organizadores dos eventos citados na matéria, mas não conseguiu contato.
Leia a íntegra da nota enviada pela Prefeitura de São Sebastião do Uatumã:
A Prefeitura de São Sebastião do Uatumã informa que a Secretaria de Saúde dispôs de agentes ofertando álcool em gel, e as medidas de segurança sanitária lembradas constantemente no palco principal. O evento ocorreu em um praia a céu aberto, visto que esses uma festa de interior e os dados epidemiológicos de São Sebastião do Uatumã e dos municípios vizinhos foram levados em consideração para acessibilidade do público. Enquanto município continuaremos monitorando os possíveis novos casos e avaliar o cenário epidemiológico, pois esse foi o primeiro evento de grande porte realizado pela prefeitura.
A Pesca Esportiva do Tucunaré é algo da nossa essência e realizar esta festa após 12 anos de esquecimento, é resgatar a nossa cultura e fomentar o turismo na região. Gerar turismo é gerar renda para os grandes e pequenos empresários, gerar renda pro mais simples vendedor de churrasco. Estamos saindo de uma pandemia que não só tirou vidas, mas também impossibilitou muitas pessoas de por comida na mesa.