Em 26 de junho é festejado o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, buscando denunciar e erradicar os horrores desta prática que ainda é realizada em vários países do mundo. A criação desta data foi uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1997, sendo deliberado no mesmo dia em que foi assinada a Convenção Contra a Tortura, o dia 26 de junho de 1987.
A tortura é uma prática inaceitável por ser um dos atos mais repugnantes que os seres humanos podem cometer contra os seus semelhantes. Essa prática é prejudicial não somente aos indivíduos, mas também afeta gravemente toda a sociedade que a utiliza ou aceita. Ela destrói a personalidade da vítima e despreza a dignidade do ser humano.
A preocupação sobre a segurança nacional e sobre as fronteiras são usadas cada vez mais para justificar a tortura e outras formas de trato degradante e desumano. Suas consequências vão para além do ato isolado sobre o indivíduo, uma vez que são transmitidas de geração para geração e conduzem a ciclos de violência.
É necessário que reconhecermos a importância de apoiar as vítimas dessa repulsiva prática, muitas vezes realizada por parte de órgãos repressivos do Estado, sendo aplicada como política repressiva e de investigação. No caso específico da América do Sul, ela foi adotada por todos os regimes comandados por militares durante o século XX. No Brasil, um dos principais difusores dessas práticas foram as Forças Armadas, com o objetivo de exterminar as forças políticas opositoras. Atualmente, a tortura ainda é uma medida de obtenção de confissões comumente adotadas em delegacias e batalhões militares.
Tais práticas, que ferem a dignidade e os direitos humanos, demonstram o grau de desumanização que podemos atingir, pois são mobilizadas atitudes de covardia, desprezo e crueldade. De forma constrangedora, ainda é possível constatar simpatia por tais aberrações, inclusive entre os líderes políticos que hoje comandam o Brasil. De fato, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, declara-se publicamente admirador de um dos mais conhecidos torturadores da Ditadura Militar (1964 – 1985), o coronel Brilhante Ustra.
Registros históricos afirmam que na Amazônia, a prática da tortura foi largamente usada durante o ciclo da borracha (1900 – 1920), visando punir, intimidar e escravizar os ameríndios para forçá-los a contribuir com o mercado da exploração e exportação do látex. A flagelação era um método bastante utilizado como forma sofisticada de castigo e extermínio. A crueldade contra os seringueiros foi técnica largamente adotada para colocar a economia da borracha em funcionamento nos territórios amazônicos.
Durante a Ditadura Militar, a Casa Azul (Marabá/PA) era um dos principais locais de tortura. O título pode até parecer um título de contos infantis, mas em nada combina com os horrores vividos por quem passou pelo local na década de 70.
Nas margens da Rodovia Transamazônica, o espaço era utilizado como centro clandestino de tortura e morte, destino de muitos guerrilheiros que atuaram no Araguaia e também de camponeses. Hoje, o local abriga a sede o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
O nosso esforço de criar sociedades humanamente mais evoluídas implica nos determos diante desta ferida que ainda maltrata o povo brasileiro e diversas nações.
Para que ela seja curada, no entanto, é preciso fortalecer nosso senso de humanidade e aprofundar a democratização das nossas instituições. A intensa ocorrência de tortura no nosso meio significa que ainda vivemos sob a influência do autoritarismo, que foi publicamente exposto na época da Ditadura Militar.
Nossa democracia tem sofrido ataques cada vez mais graves nos últimos anos, inclusive através do fortalecimento da cultura militar. A reflexão sobre os horrores da tortura, assim como a solidariedade com as suas vítimas, pode nos ajudar a evitar tempos mais sombrios que não desejamos viver novamente.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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