Por Michelle Portela, especial para o Atual
MANAUS – Quem foi criança nas décadas 1980 e 1990 deve se lembrar do chocolate com relevo e cartões colecionáveis, geralmente, sobre animais chamado “Surpresa”. Aberta a embalagem, a surpresa poderia ser uma imagem produzida pelo fotógrafo brasileiro Luiz Cláudio Marigo, que teve o seu trabalho como fotógrafo da natureza eternizado no imaginário das crianças brasileiras, mas também como um dos profissionais mais reconhecidos e premiados do mundo.
Marigo teve seus trabalhos publicados nas mais importantes publicações do mundo, incluindo a National Geographic americana, a Natural History, a BBC Wildlife, e foi vencedor do “Wildlife Photographer of the Year”, o mais importante concurso do gênero, organizado pela BBC e Natural History Museum de Londres.
Seus cards de animais que vinham com o chocolate, assim como os de outros temas, traziam notas técnicas sobre a espécie fotografada, como nome popular e também o científico, detalhes sobre a vida selvagem, hábitos alimentares e outros detalhes. Era uma febre entre os jovens colecionadores brasileiros daquela época.
Toda essa história influenciou o imaginário do jornalista Bruno Kelly, que se mudou de São José dos Campos (SP) para Manaus logo depois de se formar em jornalismo, e iniciar a sua trajetória na descoberta sobre como ser fotógrafo na Amazônia. Admirador do trabalho de Morigo, o jornalista agora desenvolve projetos para fotografar a vida selvagem, que causam comoção entre leitores internacionais. Essa história você acompanha abaixo.
Atual: Como foi o início da sua carreira?
Bruno Kelly: Cheguei a Manaus logo após me formar em jornalismo. Naquele momento, minha ideia era sair do eixo Rio de Janeiro – São Paulo, com objetivo de conhecer mais sobre o Brasil. No final de 2008, montei um portfólio com o que eu já tinha de trabalhos e mandei para alguns jornais do Brasil e, com isso, acabei recebendo um convite do jornal ACrítica (de Manaus) para cobrir uma licença de três meses de um dos fotógrafos da casa. Aceitei porque já conhecia o trabalho dos profissionais do Amazonas e pela oportunidade de estar na Amazônia. Foi muito importante essa iniciação na cidade através de um jornal, pois pude conhecer todas as esferas da capital – lugares, pessoas, gastronomia e cultura, entre outros aspectos. O jornal nos dá essa experiência, pois cobrimos de tudo. E foi aí que eu comecei a viajar para o interior. E a satisfação de estar aqui foi cada vez maior. Conheci muitos pesquisadores e a querer contar histórias mais profundas e mostrar os trabalhos que eram realizados pelos institutos de pesquisa.
Atual: E como foi moldando a sua visão sobre a região e refletindo essas ideias no seu trabalho?
Bruno Kelly: Eu tive muita sorte. Posso dizer que estava no lugar certo, na hora certa. Assim que cheguei em março de 2009, Manaus foi eleita sub-sede da Copa do Mundo e os olhares do mundo se viraram para a capital do Amazonas, assim como para o Brasil, de um modo geral. E muitos trabalhos surgiram por conta disso, um cenário que possibilitou realizar boas pautas, tanto na capital como no interior. Não havia falta de recursos para viagens e acabei moldando minha carreira nesse sentido, de trabalhar histórias de longa apuração, sobre a vida dos ribeirinhos, da fauna e da flora. Viajar na Amazônia não é barato e, então, foi um bom momento. Percebi, também, que um bom caminho seria fazer parcerias, para tentar enxugar custos. Na Amazônia, o tempo é outro, e todo dia aprendo sobre seus povos e a floresta, animais, e, mesmo com dez anos por aqui, ainda me sinto vislumbrado, embora com mais responsabilidades. É preciso sempre ter cuidado e muita apuração quando se reporta a algo da Amazônia. Também devo reconhecimento aos profissionais que encontrei nessa jornada, pessoas que conhecem bem esse contexto, grandes jornalistas que tive a honra de trabalhar junto na época do jornal e trabalho até hoje, como Elaíze Farias, Jorge Dantas, Mônica Prestes, e a professora Ivânia Vieira [da Universidade Federal do Amazonas], entre tantos outros.
Atual: Em abril de 2018, suas imagens de uma onça em idade adulta na copa de árvores na floresta rodou o mundo por meio da Reuters (agência de notícias internacionais), atraindo ainda mais visibilidade para quem trabalha com conservação de animais selvagens para o Amazonas. Como foi essa experiência?
Bruno Kelly: O Projeto Iauaretê monitora onças na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, um projeto científico que relaciona a população local e pesquisadores que oferecem, também, observação de espécies selvagens na área de conservação. Esse foi um projeto que durou três anos, até conseguir fazer as fotos. Os pesquisadores descobriram que as onças se mantém nas copas das árvores por até três meses durante a cheia dos rios, quando ocorrem as expedições para visualização dos animais. A ideia da reportagem foi mostrar todos os ciclos da pesquisa, desde a captura dos animais, o monitoramento e a observação na cheia. Mas, na natureza é preciso ter muita paciência e nem todas a viagens tiveram sucesso. Foi preciso voltar algumas vezes para chegar ao resultado final da matéria. Perdi a conta de quantas vezes retornei ao campo durante três anos de tentativas, alternando períodos de cheia e seca na reserva. Na última vez, fiquei quase dois meses no campo morando com os pesquisadores em um flutuante, e pra área eu sempre precisava levar uma bolsa estanque para suportar sol e chuva todo dia. Passávamos o dia todo na mata. Durante a cheia em canoas pequenas, e na seca, caminhávamos pelas trilhas para instalar e verificar as armadilhas. A captura foi bem emocionante. Foi uma das sensações mais maravilhosas que já tive. Nenhum outro jornalista de fora do projeto científico tinha conseguido acompanhar esse momento. Foi muito emocionante poder estar ao lado de um animal tão forte quanto aquele. É esse mundo que tento mostrar às pessoas para que criem uma certa afinidade com o que estamos retratando, sobre a complexidade da vida Amazônica.
Atual: Como você vê o seu futuro profissional?
Bruno Kelly: Eu escolhi a fotografia para ser minha vida. Espero poder, através dela, continuar mostrando a Amazônia, seu povos, fauna e flora, além das mudanças que acometem toda essa biodiversidade, sejam elas negativas ou positivas. Amo o que faço e espero poder fazer isso pela vida toda.