O Fórum das Águas promoveu o 2º Encontro sobre análise de conjuntura, sendo transmitido pelo facebook do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES). O primeiro ocorreu no dia 29 de maio e teve como convidados o Deputado Federal José Ricardo (PT) e a Professora Marklize Siqueira. A segunda transmissão ocorreu no último dia 12 de junho e teve como palestrantes a professora Marcia de Oliveira (UFRR) e o padre Júlio Lancelotti.
No 2º Encontro a professora Marcia resgatou a mensagem do padre jesuíta Claudio Perani (1932 – 2008), que morou em Manaus durante os últimos anos de sua vida, exercendo diversas atividades, inclusive coordenando o SARES. A docente brindou os integrantes do Fórum das Águas e os internautas, relembrando as mensagens de fé, esperança e compromisso do Claudio Perani. A exposição mostrou que Claudio Perani foi um grande profeta da Amazônia, deixando um legado pastoral e intelectual que até hoje lança luzes sobre a realidade, fazendo-nos compreender os nossos conflitos políticos, sociais e econômicos.
O élan teológico do padre Claudio atualizava as mensagens bíblicas, buscando encorajar as populações mais pobres na luta contra o colonialismo que ainda hoje predomina nas diversas esferas da sociedade. Marcia lembrou, por exemplo, a análise profunda do relato de um milagre realizado pelo apóstolo Pedro, descrito no livro dos Atos dos Apóstolos (At 3,1-10).
Neste relato, o padre Cláudio enxergava a necessidade de que a ação transformadora não se detenha no assistencialismo, mas contemple o cenário mais amplo, abrangendo as dimensões humanas, políticas e sociais. No referido milagre é possível perceber uma ação que resgata as pessoas da humilhação, evidenciando que elas são sujeitos e protagonistas da história.
Segundo Cláudio Perani, a ação coletiva e popular é capaz de romper os sistemas e estruturas sociais que promovem desigualdades, violências e escravidões colonialistas. Mas para isso, é necessário trabalhar em redes, aprender com os povos tradicionais e participar das lutas travadas pelas populações mais pobres, que buscam reconstruir a sua dignidade e acessar os direitos fundamentais. É imprescindível que nos demos conta de que tudo está interligado a partir de redes planetárias e por isso cada ser humano e não humano merece ser respeitado no seu direito de existir, possibilitando-lhes contribuir com a nossa diversidade biológica e cultural que faz presença na Amazônia.
Essas mensagens trazidas por Marcia Oliveira também são repercutidas na fala do padre Júlio Lancelotti, que nos dá um belo exemplo de comprometimento com os mais pobres das nossas cidades, a população de rua. Na nossa transmissão, Lancelotti foi enfático em reconhecer a importância da Amazônia para o Brasil e para o Mundo, frisando que se entristece com os ataques que ela vem sofrendo nos últimos tempos: desmatamento, queimadas, mercantilização dos recursos naturais e a precariedade do sistema público de saúde.
A nossa transmissão deixou claro que o compromisso com este projeto de libertação humana e social traz perseguição para aqueles que o apoiam. De fato, o padre Lancelotti tem sofrido diversos ataques realizados por pessoas e instituições que trabalham para perpetuar a humilhação dos mais pobres. Nesse sentido, o Fórum das Águas aproveitou a ocasião para organizar uma sequência de mensagens de solidariedade ao padre Júlio, apresentando os depoimentos de agentes da Pastoral do Povo da Rua de Manaus (Cassia, Leandra e Evanete) e de outros atores que buscam melhorar a nossa sociedade: Damiana Amorim, Natercia Wellen, Marcivana Sateré e Waldemir José.
Consciente de que a luta pela justiça atrai perseguição, o padre Júlio encoraja a todos os que vivem na Amazônia, sofrendo agressões, como os povos indígenas, as populações ribeirinhas, a população de rua e os defensores da vida na região. Demonstrando a sua solidariedade com a Amazônia, Lancelotti destacou: “nós não somos um pedaço, mas somos um todo. E nesse todo estão a vida, a água, o ar, as flores, as árvores, as pessoas, os animais, o bioma, a poesia, o pensamento, a sobrevivência, tudo o que compõe a vida”. Dessa forma, ele garante que os movimentos sociais, os movimentos populares e as pastorais sociais têm a Amazônia no coração e na mente, fazendo eco à Exortação do Papa Francisco, “Querida Amazônia”.
Repercutindo a mensagem de Cláudio Perani, o padre Júlio Lancelotti também destacou a urgência do processo de descolonização, fenômeno enraizado na nossa cultura. Nesse sentido, o clérigo citou a necessidade de tornar a água potável acessível às populações em situação de rua, além resgatar a luta pela demarcação das terras indígenas, que foi bravamente defendida por Dom Luciano Mendes de Almeida. Para ele, esse processo é especialmente relevante nos nossos tempos, que são caracterizados pela retórica do ódio, atingindo as pessoas, afetando a luta pela vida e incidindo contra os pobres, negros e populações vulneráveis.
Finalizando, Júlio Lancelotti resgata um princípio pastoral fundamental, que por vezes esquecemos: o principio da convivência, que é o “fazer com os pobres” ao invés de “fazer para os pobres”. De acordo com padre, a convivência pode gerar dificuldades e conflitos, mas ela ajuda a superar o nosso tempo dramático de destruição ecológica, em que o Ministro do Meio Ambiente atua contra o meio ambiente; em que se percebe um forte desprezo contra os povos amazônicos; em que se constata a destruição declarada no pantanal.
As mensagens dos padres Cláudio Perani e Júlio Lancelotti se interligam e se unem para apresentar “o caminho da humanização”. Este caminho, no entanto, não pode ser trilhado sem as lutas pela liberdade, pela autonomia e pela emancipação; contra a injustiça, contra a devastação ecológica e contra todos os tipos de violência. Júlio conclui que é necessário compreendermos que “ninguém vai se emancipar sozinho” e a Amazônia nos ensina que tudo está interligado!
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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