Por Valmir Lima, da Redação
MANAUS – O poeta da Amazônia João de Jesus Paes Loureiro é um crítico contumaz dos projetos de desenvolvimento da região amazônica propostos e executados por diferentes governos nas últimas décadas.
De passagem por Manaus, na semana passada, ele concedeu entrevista ao ATUAL na qual falou de sua poesia construída a partir da cultura amazônica, mas não deixou de analisar a conjuntara política atual sobre a região. “Os projetos públicos federais são predadores da nossa realidade amazônica, como realidade humana e como realidade ecológica.”, disse. “A Amazônia é como se fosse um almoxarifado nacional, onde você vem buscar tudo o que precisa nela, inclusive os mitos, inclusive a cultura”.
Como exemplo de apropriação da cultura, ele cita dois símbolos do modernismo brasileiro que são símbolos da cultura indígena e ribeirinha: Macunaíma e Cobra Honorato. “Você não tem incorporado pelo modernismo brasileiro as pessoas que produzem cultura e arte nessa região. Você tem é sempre uma forma de expropriação de valores para um trabalho fora dela.”
Projetos e tragédias
Os grandes projetos, na opinião do escritor e professor da Universidade Federal do Pará, são uma porta de entrada “na tragédia do desenvolvimento programado da região”.
Pouco deixam para a cultura e para os homens e mulheres da Amazônia. “Quando se fala na riqueza dela, não se fala pra ela. É como um almoxarifado. É como uma mina, pra você explorar e levar pra fora. Nós produzimos grande parte da riqueza para o Brasil e temos a energia mais cara aqui na nossa região”, afirmou.
Para os de fora, falta conhecimento sobre a região. Paes Loureiro diz que os grandes projetos públicos não conhecem a Amazônia. As empresas exploradoras não levam pessoas da Amazônia para trabalhar nesses projetos, que são executados por meras informações estereotipadas da região e de sua gente.
O poeta diz que para quem defende a exploração a qualquer custo, a riqueza da floresta não pode ser uma riqueza imobilizada. “A riqueza que está no subsolo não pode também ficar ali porque ela tem que beneficiar o país etc. Dos rios, a mesma coisa. Os garimpos e tudo o mais”, disse.
Paes Loureiro afirma que toda a riqueza da região, que inclui a floresta, os minérios, os rios a fauna gera “uma grande gula sobre a Amazônia, um grande desejo de exploração dela”.
A tragédia do garimpo
A exploração de garimpos proposta pelo presidente Jair Bolsonaro também foi criticada por Paes Loureiro, que vê nessa atividade um risco. “É uma exploração que mata os rios e mata parte de populações ribeirinhas”.
Ele lembrou o garimpo de Serra Pelada, no Pará, durante o regime militar, como exemplo de uma tragédia humana e de uma tragédia de uma região expropriada de suas riquezas sem poder usufruir delas em benefício da sua própria população.
“Serra Pelada é o exemplo de autoritarismo na condução do processo; é um exemplo de que o homem é o de menos importante, porque o que importa é a riqueza que está na terra, independente de pra quem vai essa riqueza, inclusive. E ao mesmo tempo, sacrificando milhares de pessoas.”, disse.
Queimadas na Amazônia
João de Jesus Paes Loureiro também condenou a tolerância e o enviesamento dos discursos e das ações do governo com relação às queimadas na Amazônia. “São queimadas nitidamente provocadas para uma apropriação da terra e para criar condições dessa apropriação. E na verdade, a acusação recai sobre aqueles que realmente defendem a terra.”, disse.
Um exemplo é o caso do fogo em Alter do Chão, no município de Santarém, no Pará. Um grupo de brigadistas ligados a uma ONG, que ajudava a combater o incêndio, foi preso pela polícia acusado de atear fogo na floresta.
“Às vezes, as pessoas levam para o ridículo, mas é de uma gravidade fora do comum. Como é que na primeira oportunidade que apareça algo que possa ser atribuído a grupos que já são demonizados pelo governo, o governo se apropria daquele fato não explicado, ainda, para atribuir [o crime] exatamente àqueles que vêm trabalhando há décadas em defesa dos ribeirinhos, das comunidades indígenas, pela saúde e pela educação?”.
Confira a entrevista completa de João de Jesus Paes Loureiro: