Por Soraia Joffely, do ATUAL
MANAUS – Alertada em 2014 sobre o risco de desabamentos na orla do município, a Prefeitura de Beruri (a 173,52 quilômetros de Manaus) não solicitou nova avaliação sobre as áreas de risco em nove anos, afirmou Gilmar Honorato, pesquisador em geociência da CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – Serviço Geológico do Brasil).
O alerta do Serviço Geológico do Brasil consta em relatório detalhado sobre a situação entregue ao município naquele ano. Na noite do último sábado (30), desabamento de barranco na Comunidade Arumã, na zona rural do município, deixou dois mortos, três desaparecidos e destruiu 40 casas, três igrejas, um posto de saúde e o gerador de luz.
De acordo com o relatório realizado entre 9 e 10 de julho de 2014, foram constatados nove locais de alto e muito alto risco geológico – deslizamentos e “terras caídas”.
Também foi identificado risco de inundação em seis setores na cidade de Beruri, um na comunidade rural Vila São Sebastião do Surara, outro na Comunidade Itapuru e um na Comunidade Nossa Senhora de Nazaré (Vila Arumã), onde ocorreu o recente desbarrancamento.
Em entrevista ao ATUAL, o pesquisador Gilmar Honorato, responsável pelo documento, disse que em visita técnica ao município os indícios de possível deslizamento estavam expostos, uma vez que havia “cicatrizes” de instabilidades no solo dos locais.
“O processo naquela época já estava atuante. Nós vimos que poderia acontecer, tanto que marcamos e pedimos para fazer o monitoramento. Também alertamos sobre o fato de ter muitos flutuantes embaixo. E acabou acontecendo o que vimos, o deslizamento. O deslizamento não só pegou as casas, como também afetou os flutuante”, disse.
Segundo Gilmar, a tragédia ocorrida no sábado poderia ter sido evitada caso a prefeitura da cidade tivesse solicitado nova atualização do caso. “Como esse trabalho foi feito em 2014, ele precisava sempre de uma atualização. Já se passaram nove anos, a prefeitura não fez essa atualização, não solicitou também que a gente ajudasse nisso”, ressaltou.
No trabalho desenvolvido pela CPRM em conjunto com a Defesa Civil do local, recomendou-se medidas que, se adotadas, poderiam amenizar a situação de risco geológico. Uma das providências foi elevar o nível topográfico de algumas áreas da sede de Beruri, promover educação ambiental para a população, fazer estudos hidrológicos detalhados para definição de obras necessárias e implantação de sistema eficiente de drenagens de águas pluviais.
Também foi recomendado implantar políticas de controle urbano para evitar construções e intervenções inadequadas em áreas de inundação, obras de estabilização de talude, monitoramento dos processos erosivos e remoção e realocação das moradias próximas às encostas.
O secretário de Defesa Civil do Amazonas, Francisco Máximo, questionado sobre o relatório da CPRM e da necessidade de alerta ao município, informou que em dezembro de 2022 verificou a possibilidade de estiagem na região.
“Todas as informações disponíveis pelas agências são compiladas e são disponibilizadas. Como falei, esse desastre que está acontecendo, em dezembro nós já estavamos enxergando essa probabilidade. A partir disso, várias ações foram desencadeadas. Nós incentivamos e capacitamos as defesas civis municipais para que elas possam efetivamente levantar essas informações e difundi-las”, afirmou o secretário em entrevista coletiva no lançamento do aplicativo ‘Cota Rio’ nesta segunda-feira (2).
Segundo Gilmar Honorato, as atualizações de monitoramento nas regiões com áreas de risco devem ser solicitadas pelos órgãos, o que não ocorreu em Beruri. A Lei 12.608 de 10 de abril de 2012, prevê que as prefeituras municipais devam incluir em seu plano diretor as áreas de risco de inundações e de deslizamentos, assim como controlar e fiscalizar a ocupação dessas áreas.
“Nós fazemos o primeiro trabalho, depois tem a revisita. Geralmente as prefeituras têm que solicitar as revisitas para colocarmos no cronograma, e esses mapas devem ser atualizados no mínimo de 2 em 2 anos, porque o processo ele é sempre atuante. Então tem lugares, como esse local há 9 anos, era considerado como risco alto. Mas na medida do tempo, o barranco vai avançando cada vez mais”, disse.
Na época, de acordo com Gilmar Honorato, havia 40 casas identificadas como risco alto. Com o fenômeno do El Niño em curso até abril de 2023, regiões do Alto Solimões e o munícipio de Manacapuru (a 68 quilômetros de Manaus) têm risco de desbarrancamento.
“Todos os municípios que estão na calha do Solimões, do Madeira, do Purus, do Juruá, todos esses que chamamos de Águas Brancas (águas barrentas), todos eles têm o processo de “terras caídas”. E os processos que têm mais risco à vida da população são principalmente no Alto Solimões e na região de Manacupuru que em 2010, na grande seca, houve um deslizamento”, disse.
No monitoramento do Serviço Geológico do Brasil, o fenômeno de “terras caídas” foi mais bem visualizado nas comunidades rurais visitadas. Por isso, é necessário haver uma visita técnica no período da vazante do rio Purus, que inicia de setembro a novembro para o monitoramento dessas localidades.
Confira resumo do alerta do Serviço Geológico.