
Por Beatriz Amendola, do Estadão Conteúdo
LOS ANGELES – Um dia após ganhar o Oscar de Melhor Filme Internacional com ‘Ainda Estou Aqui’ – o primeiro do Brasil –, o diretor Walter Salles refletiu sobre como o filme tem servido de alerta aos perigos do autoritarismo em outros lugares do mundo, incluindo os Estados Unidos.
“A gente está vendo um processo de fragilização crescente da democracia, e esse processo está acelerando cada vez mais”, disse o cineasta em conversa com jornalistas, acompanhada pelo Estadão, em um hotel em Los Angeles.
O longa brasileiro, centrado na luta de Eunice Paiva após seu marido, Rubens Paiva, ser levado pelo regime militar, “se tornou próximo de quem o viu nos Estados Unidos”, na avaliação de Salles. O diretor acredita que isso, inclusive, possa ter contribuído para o sucesso que o Ainda Estou Aqui vem fazendo no país americano, onde já arrecadou mais de US$ 5 milhões.
“Voltei de um almoço e as pessoas vieram falar comigo sobre isso, sobre como o filme lhes pareceu próximo do momento presente nos Estados Unidos”, contou. “E eu diria que não é só aqui; também, de uma certa forma, ecoa o perigo autoritário que hoje grassa no mundo como um todo.”
Ele prosseguiu: “Acho que a gente está vivendo um momento de extrema crueldade, vendo a prática da crueldade como forma de exercício de poder. Acho isso profundamente inquietante.”
O cineasta pontuou, porém, que o jornalismo e a arte são formas de lutar contra isso. “As formas de expressão se tornam fundamentais para trazer uma polifonia democrática em um funil autoritário.”
A memória de Rubens Paiva
Em outro momento da conversa, Selton Mello e Fernanda Torres citaram a importância de Ainda Estou Aqui para preservar a memória de Rubens Paiva, que foi assassinado por agentes da ditadura militar.
“Interpretar o Rubens foi uma honra”, afirmou Mello. “É um homem que foi levado de casa e assassinado pelo Estado. E eu dei corpo a esse homem, eu trouxe ele para viver de novo (…) Quando acabou a exibição [em Veneza], eu falei ‘esse é o corpo do Rubens, que nunca voltou’. Tudo isso é muito comovente, poderoso e forte”.
Fernanda Torres, por sua vez, completou: “O Rubens Paiva, para mim, era um retrato que estava desaparecendo. Ele foi levado e morto, e houve um movimento muito grande de essa história desaparecer, como aquele retrato. E hoje a família Paiva voltou à vida, jamais os esqueceremos e eles sempre estarão aqui. O Rubens Paiva sempre estará aqui por causa da literatura e do cinema. Acho isso muito bonito. Hoje, isso é a prova de que eles existiram, não conseguiram apagá-los da memória”.