Por Sandoval Alves Rocha*, especial para o ATUAL
MANAUS – A privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário de Manaus, ocorrida no ano 2000, ganha novo fôlego com a entrada do Grupo Aegea Saneamento e Participações, que atua na cidade através da concessionária Águas de Manaus.
O Grupo Aegea Saneamento constitui uma das 5 maiores empresas privadas do setor de saneamento básico no Brasil, atuando em 48 cidades do território nacional.
Substituindo o Grupo Águas do Brasil, em julho de 2018, a Aegea Saneamento dá continuidade à medíocre política de abastecimento de água e esgotamento sanitário adotada na capital amazonense desde tempos remotos.
Esta deficitária atuação do grupo na cidade, denunciada por Valmir Lima no AMAZONAS ATUAL, em artigo publicado no dia 1° de abril de 2019, vem confirmar o baixo nível de desempenho da concessão privada, constatado pelos últimos dados do SNIS/2016 (Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento Básico). Segundo as informações deste sistema, Manaus ocupa o 5ª pior lugar na gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no ranking das 100 maiores cidades brasileiras.
Trata-se de perceber que a privatização constitui uma iniciativa frustrada, que tem contribuído somente para o crescimento das empresas em detrimento da qualidade de vida da população manauense.
É possível verificar ao longo da história desta privatização numerosas evidências que corroboram a percepção deste medíocre desempenho. Instituições como a Câmara dos Vereadores do Município, o Ministério Público do Amazonas, a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos e o Tribunal de Justiça do Amazonas produziram diversos documentos mostrando que a iniciativa privada tem realizado uma péssima gestão dos serviços de água e esgoto, levando prejuízos para população e para o meio ambiente. Tudo isso, com o apoio do poder concedente (a prefeitura municipal), que tem investido volumosos recursos públicos no sistema para viabilizar o contrato de concessão, visando manter as elevadas taxas de rendimentos das empresas envolvidas.
Aquelas instituições públicas, assim como a sociedade civil em geral, denunciam problemas graves como o descumprimento das metas do contrato de concessão, o elevado índice de cobranças indevidas, os altos indicadores de desperdícios de água, a abusiva elevação das tarifas, o desinteresse pela implementação da tarifa social, os elevados investimentos públicos não devolvidos e a anuência do poder concedente diante dos péssimos serviços realizados.
O resultado de tudo isso é, por um lado, a exclusão de expressivos setores sociais do direito à água e ao saneamento, principalmente nas periferias da cidade; a poluição dos igarapés e rios amazônicos; e por outro lado, o constante enriquecimento das empresas encarregadas dos serviços de água e esgoto, promovendo a manutenção de um capitalismo predatório e injusto.
O baixo desempenho das empresas privadas de saneamento tem se repetido em vários lugares do mundo, acarretando um movimento global de remunicipalização em países que chegaram a privatizar os serviços de água e esgoto: Grenoble (França), Paris (França), Berlim (Alemanha), Idianápolis (EUA), Atlanta (EUA), Buenos Aires (Argentina), Almaty (Kazaquistão), Tucuman (Argentina), Kuala Lumpur (Malásia), Dares Salam (Tansânia), Jakarta (Indonésia), Arenys de Munt (Espanha), Moçambique, Marrocos, Ucrânia, Uruguai, etc.
A insatisfação dos consumidores destes serviços têm ocasionado a ruptura de centenas de contratos, uma vez que a iniciativa privada tem se mostrado pouco comprometida em realizar a universalização do acesso à água, principalmente em regiões que apresentam elevados índices de pobreza. Nestes países, significativos setores populacionais vivem em situação de vulnerabilidade econômica, sem os recursos necessários para arcar com as despesas dos serviços.
O surgimento deste movimento global indica que o mundo está abrindo os olhos para o fato de que o aprofundamento da cidadania não se realizará pelas vias neoliberais das políticas privatizantes. O aperfeiçoamento da democracia implica a necessidade de se retomar o principio da solidariedade em que toda a sociedade (Estado, empresas e cidadãos) se empenha na garantia dos direitos básicos para os seus membros, diante da crescente competitividade do mercado, que transforma tudo em mercadoria em beneficio das grandes empresas. Estas adquirem vertiginoso poder sobre a sociedade, controlando cada vez mais as vidas das coletividades e das pessoas.
A atuação de tantas empresas ao longo da concessão dos serviços de água e esgoto em Manaus (Lyonnaise des eaux-Suez, Solvi, Águas do Brasil e Aegea Saneamento) indica que a Amazônia, com o seu grande potencial hídrico, constitui estratégia de enriquecimento para as empresas deste setor e um caminho de expansão do processo de acumulação capitalista.
Em contramão à lógica monopolista e individualista da privatização, o acesso universal à água potável implica a efetiva participação social na gestão dos serviços de saneamento básico, através da qual os setores mais pobres da sociedade podem intervir nas decisões sobre os investimentos a serem realizados. Seria uma gestão democrática em que os diferentes setores da sociedade estariam devidamente representados, tendo em vista a implantação do direito à cidade e a garantia do suprimento das necessidades mais básicas para todos os cidadãos, sem que as distinções de classes, raças, gêneros ou religiões imponham privilégios, discriminações e exclusões.
*Sandoval Alves Rocha, Padre jesuíta, colaborador do Sares (Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental).