Água e sustentabilidade são realidades que se atraem mutuamente. A viabilidade da sustentabilidade está ligada às interfaces com a água devido à sua presença marcante na natureza e na sociedade. Por isso, é perigosa a visão que concebe a água como um produto de mercado, acessível somente aos que podem pagar.
Em sociedades injustas e desiguais como a nossa a transformação da água em commodity ou mercadoria coloca em risco a coesão social e a manutenção do ecossistema com a sua biodiversidade.
A importância da água pode ser facilmente percebida na medida em que observamos a sua destacada presença que possibilita a continuidade da vida biológica, social, cultural e econômica. Esta informação pode ser confirmada através da constatação de que mais de 70% da superfície da Terra são constituídos por água. A mesma proporção de água é encontrada no corpo humano, sendo essencial que o homem se mantenha hidratado para o funcionamento correto das funções do seu organismo.
O dinamismo inerente ao funcionamento da rede socioambiental somente é possível com o protagonismo da água, realizando ligações, conexões e transportando energias, alimentos e fluídos entre os diversos sistemas e subsistemas. A água é um mensageiro bem-vindo, tendo entrada livre assegurada em todos os circuitos naturais. Essa realidade pode ser facilmente percebida na região amazônica, devido às grandes proporções hídricas e as suas conexões com a vida cultural, condicionando radicalmente a constituição do tecido social.
A necessidade e a essencialidade da água para o prolongamento da vida torna qualquer tentativa de privatização uma ameaça perigosa, pois nessa condição a sua gratuidade é interrompida e o ciclo vital é subordinado à lógica do retorno econômico, prejudicando a fluidez que lhe é própria. Para que a vida continue sendo gratuita e possua valor incalculável é preciso impedir que a água seja submetida à racionalidade economicista e utilitarista, permitindo que ela realize o seu ciclo e leve vitalidade pelos seus caminhos.
A falta e a escassez da água se expressam em privação e penúria. A dificuldade de acesso à água é vivenciada nas periferias das cidades, onde vivem populações vulneráveis. Nas periferias de Manaus, onde se priva a população mais pobre do acesso à água devido ao seu baixo poder aquisitivo, a vida é prejudicada e desvalorizada. A lógica do mercado imposta pela privatização no ano 2000 frustra o ideal da universalização. A lógica do lucro infinito e imediato é incompatível com o princípio da sustentabilidade, que exige a sintonia com o tempo da natureza que possui o seu próprio dinamismo.
A crise hídrica vivida nos bairros mais pobres de Manaus é sintoma de que a apropriação privada da água não é favorável à continuidade da vida. Para que a vida seja colocada em primeiro lugar é necessário uma mobilização da sociedade rumo à reapropriação social da água, devolvendo-a à população e instituindo uma gestão democrática atenta às necessidades das comunidades socialmente fragilizadas.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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